05 dezembro, 2001

Da série O Descobridor dos Sete Bares - 3
Lamas
Grandes revoluções, tomadas de poder, publicações editoriais e bandas de rock já foram montadas no Lamas nestes meus 33 anos de vida. E as mesmas foram esquecidas no táxi de volta para casa, invariavelmente bêbado do outrora excelente chope (hoje anda meio aguado) e de algum Concho Y Toro bebericado às garrafas na mesa do atraente bar com ar condicionado. O Lamas é em essência um lugar civilizado - a começar pelas toalhas de mesa e pelo vestuário dos garçons.
Como na música dos Beatles (In My Life), os bares tem essa magia de nos fazer lembrar sempre das pessoas com que dividimos nossas mesas habitualmente. E, por incrível que pareça, a primeira pessoa com quem dividi uma mesa de bar no Lamas foi o lendário Antônio Roberto de Almeida, o popular Machadinho. Você acha textos dele no Fórum Virtual, site do jornalista José Alberto Monteiro, para quem trabalhei em A Notícia. Machadinho tinha verdadeiro prestígio no local, e sempre recebia uma porção por conta da casa assim que virava o primeiro chope - provavelmente, o dono só liberava a comida quando notava que ia começar mais um porre. Mesmo assim, Machadinho sempre pendurava a conta. Hoje, há mais papéis do Machadinho pendurados no caixa do Lamas do que fiapos em um poncho mexicano.
Depois, uma amiga, Raquel Pinheiro, começou a se viciar no local, indo comigo. Foi lá que, em uma certa noite, apresentei-a a outro amigo de longa data, Rodrigo, e daí os dois entabularam um namoro que já dura seis anos.
Em seguida, o Lamas passou a ser um reduto de Marlos Mendes, Luis Edmundo Araujo, Leonardo Feijó, Marina Boechat, Gustavo Autran, Carlos Braga e vários outros que confundem a gente não explicando, a exemplo do que dizia Fernando Sabino, se o artista é uma espécie de homem ou se o homem é uma espécie de artista. Cada um com suas manias, histórias, discursos, sonhos, esperanças e desesperanças tornaram o Lamas um lugar de alma. A Edmundo, sempre associo o inigualável bife à milanesa que durante algum tempo contribuiu para criarmos barrigas colossais, afinal era sempre comido no singelo horário de duas da madrugada. E ele até hoje não sabe pedir outra coisa.
Mas sempre gostei do café do Lamas, da torta de sorvete, dos sanduíches na chapa, do espaguete e acima de tudo do Concho Y Toro quando era barato. Sempre gostei de estar lá e aparecer alguém conhecido - porque no fundo sempre sonhamos em não morar em um mundo tão grande, em um universo tão vasto e sem esperança. Encontrar um amigo em um lugar sem ter combinado nada é algo tão agradável como chegar em casa dois segundos antes de começar um temporal. Você vê futuro nos seus hábitos, basicamente.
Para o Lamas eu certamente dedicaria IN MY LIFE, uma das mais maravilhosas músicas dos Beatles - "There are places, I remember/All my life/And some have changed/Some forever/not for better/Some are gone/and some remain/All these places had their moments/With lovers and friends/I still can recall/Some are dead and some are living/In my life/I´ve loved them all" (Pois é, e foi lá a última vez que vi a Ana, uma das personagens da série "Mulheres que um dia amamos". Tá no arquivo aí do lado).
Com o centenário Lamas, há sempre a impressão de que a gente não vai sentir o tempo nos tirar tanto sangue. Mas a conta da comida de lá é bem capaz de nos tirar os olhos da cara e o couro dos ossos.