27 novembro, 2001

Timidez

Era vergonha o que ela sentia. Suas pernas magras, compridas e brancas, seu joelho grande, sua altura desajeitada. Por vezes cruzava os braços, aparentando antipatia. Não sabia como portar-se. A velha inquietação dos tímidos e onde colocar suas mãos. Sentia-se desconfortável. Parava, olhava. Se alguém a examinava, ela disfarçava, coçava a cabeça, envergonhada. Instantaneamente, sorria. Mantinha os cabelos negros sempre compridos, estratégia para não destacar seu rosto. Bonito o rosto dela. Por que bonito? Talvez pela sua tranqüila ingenuidade. Falava baixo, insegura. Caminhava cabisbaixa, observando pedras.
Ninguém acreditaria no que ela vivera. Que um dia pisou firme o último degrau, apressada e entusiasmada que estava para entregar-se. Disposta a ir até o fim. Aos dezoito anos teria, enfim, sua primeira experiência sexual. Parou à porta dele. Era ele. O mágico do sexto andar. Com sua cartola, coelhos e truques, iria experimentá-la. Um mágico. Doce espera por um gosto diferente em seu paladar. Ela iria prová-lo. Hesitou à porta. O dedo indicador em riste, apontando a campainha. Deveria desistir? Não. Já estava ali. Era metódica. Jamais começara qualquer coisa sem terminar. Esperava, por isso, nunca começar a matar ninguém. Enfim, ouviu o barulho soando. Fez o sinal da cruz, respirou fundo, como uma jogadora de basquete concentrada para fazer uma cesta de falta, e aguardou.
Ele abriu a porta rápido, como se estivesse logo atrás, vigiando tudo, ansioso. Curvou-se estendendo o braço direito e ofereceu-lhe a casa. Sentaram-se no sofá, acanhados. Ligaram o rádio para aliviar a tensão. Sabiam o que queriam fazer mas não conseguiam encostar-se. Tocavam-se com olhares luxuriosos de diamantes. O calor daquele verão levara milhares de pessoas à praia naquele domingo ensolarado. Mas os dois estavam rindo no sofá da sala de um minúsculo apartamento em plena Praia do Flamengo, e sequer seguravam-se as mãos. O mágico pegou a cartola, fez um número. Ela sorriu, mas não prestou atenção à mágica. Repete, pediu. Ele refez. Coragem, ele pensou. E, sem pensar muito, ele deixou a cartola de lado e ajoelhou-se no chão; seu rosto sobre os joelhos brancos e grandes. Ela usou suas mãos trêmulas para mexer em seus cabelos e trazer aos seus os lábios dele e começaram, enfim, a beijar-se.
Ela não lembra como, mas contou ter acordado com gosto de amora na boca e um cheiro homogêneo de suor em seus cabelos quando ele, da porta do quarto, fotografava toda a sua timidez.