27 novembro, 2001

O descobridor dos sete bares - 2
O velho Dauphine
O Dauphine (pronunciávamos Delfine) ficava na esquina da Rua Barão de Ipanema - que fica em Copacabana - com aquela primeira paralela a partir da praia, que se não me falha a memória (ela falha) se chama Aires Saldanha. Bebia pelo menos duas vezes por semana o excelente chope da casa, invariavelmente arrematado com uma pizza cuja muzzarela era capaz de atrair até mouse de computador, se me permitem o trocadilho. Era mais um daqueles bares onde Paulo Nei e sua turma conheciam do gerente até o proprietário, passando obviamente pelos garçons e de quebra dando um "oi" para o flanelinha.
Não raro, depois de uma carraspana dos infernos no Dauphine, íamos aterrissar no Mondego, eu e a turma lá de Copacabana que misturava pessoal que gostava da UDR com uma outra galera petista - o que só provava que a cachaça boa não tem cor e muito menos partido. O Mondego ainda existe, até hoje, ali na Avenida Atlântica, perene, como se vivesse apenas para que gastemos menos uma lágrima na hora de recordar.
Mas o Dauphine hoje não é sequer um retrato na parede. Passando por ali dia desses me lembrei daqueles dias de 1989, pré-campanha eleitoral, todo mundo pensando em mudança (e de fato o Brasil mudou), acho que sequer existia celular para nos achar no meio do porre, internet não era nem sonho, e o que a gente fazia, bem, vocês sabem, era beber.
Noite após noite, os porres acabavam com vômitos mútuos, garçons impacientes para ir embora, contas confusas e juras de amizade eterna. Alguns daqueles com quem eu bebia, eu não vejo há pelo menos dez anos.
O Dauphine é isso: uma prova da minha velhice - mas nunca de maturidade. Quando a gente diz que não vê alguém há mais de dez anos, e quando alguém pergunta de onde você conhece esse alguém, e você responde, "de um bar que não existe mais", bom, dá um nó na garganta.
A juventude escorria por aqueles copos amarelos, sem dúvida. Apesar de todos serem completamente loucos por mulher, todos passavam as noites em claro e em paz de espírito, plenos em sua solidão, sem lamento ou recordação - ainda não se tinha vivido, ainda não se tinha morrido.
Hoje, algo já morreu - nem que seja o Dauphine.