O Nada
Em "Estado de Sítio", livro-peça de Albert Camus, alguns personagens pedem que o Nada prevaleça. "E então suprimamos o Nada", acrescentam. A vitória do Nada foi a impressão que tive na madrugada desta quarta-feira, quando fiz questão de ficar acordado para ver o Jô Soares apresentar seu programa ao vivo, que culminava com a entrevista (?) do vencedor do programa Big Brother Brasil (assunto de nove em cada dez blogs), o tal Kléber. Só posso dizer que assisti tudo com horror.
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Meu maior interesse foi ver como se comportaria o gordo ao vivo. Antes da entrevista do tal Kléber, um professor de etimologia disse o primeiro "CARALHO" da história da TV Globo, desde 1965. Explica-se: a atração era o cara ficar explicando a origem das palavras. Com um roteiro mal amarrado e péssima, péssima, amadora pauta para a entrevista, o Jô só perguntou palavras que o cara não sabia. Toda hora o cara dizia, "não sei". Enfim, em dado momento não entendi o que o cara estava fazendo ali - mas a culpa para mim era do Jô. O professor certamente tinha lá sua área específica de estudo.
Se o Jô não sabia o que perguntar, o que dirá da platéia inacreditável? E foi o que aconteceu, quando o Jô disse, "alguém quer saber a origem de alguma palavra?". Um dos assistentes perguntou "Qual a origem da palavra CARACA?". A resposta foi tão idiota quanto óbvia: "CARACA é uma palavra que dissemos quando não queremos dizer CARALHO".
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Em dado momento, o Jô falou, "E SACANAGEM, qual o significado?", e o professor falou, "Olha, tem um significado, mas não estou com a sacanagem na ponta da língua". O Jô aproveitou a gracinha sem graça e disse, "Ainda bem que você não está com a sacanagem na ponta da língua". Os dois se olharam e o professor, meio esquisitão, disse "Você tem energia, heim?". Os dois se olharam, ao vivo, e ninguém entendeu direito o que houve.
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Até que chegou o momento do Nada. Criticar o Big Brother Brasil é um baita lugar-comum, admito. De um lado, quem gosta, de outro, os intelectuais sofridos querendo se dizer superiores. Sem dúvida alguma a solução para a televisão brasileira não é a implantação de TVs educativas em todos os canais, porque nem todos se divertem com o documentário sobre o Dragão de Komodo. Mas quero crer que os meios de comunicação deveriam procurar trazer valores, que não morais, pelo menos espirituais.
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Que valor traz uma fama como essa a do tal Kléber? Passou a entrevista inteira reclamando das perguntas idiotas do Jô, falou(?) 15 minutos (quase um milagre) e no final mostrou aquilo que é considerado pela mídia o seu "talento": uma ridícula dança acompanhada de um canto completamente desafinado, com a seguinte letra (acho que era isso): "Lá vem a onda, lá vem a onda, lá vai a onda". Em um certo momento, o cara pegou uma loirinha da platéia para dançar, como se a música fosse a coisa mais empolgante do mundo, como se fosse Rod Stewart em "Storytellers" cantando "Having a party", do Sam Cooke; nessa hora eu pensei, "e ainda tem filho da puta que me acha um cafona por eu gostar de Rod Stewart".
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Aí fiquei pensando (até fedeu na hora): o que fez o tal Kléber? Compôs um verso que me fizesse viver melhor? Inventou algo? Colocou no mundo uma melodia? Escreveu um livro que aplacasse a angústia? Qualquer merda que fosse? Não. O cara não fez nada, nada, nada. E nem vai fazer. As pessoas conseguem construir admiração pelo cara cujo único bordão ("genial") é "faz parrrrrrte, né?". Uma babaquice sem tamanho, indescritível. Não, não quero as TVs educativas, mas quero que os meios de comunicação nos dêem virtudes, sentimentos de honra, gana, garra, alguma coisa, e não que ensinem que tem mérito alguém que "agüenta" ficar dois meses dentro de uma casa com piscina, comida, roupa lavadinha e bebida liberada.
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Enfim, ainda tive que ver um bando de mulheres da platéia gritarem quando foi mencionado o prêmio de 500 mil reais que o beócio ganhou. Ou seja, além de tudo ensinamos às mulheres a serem meio putas, a acharem que aquele cara ali se torna sensacional com 500 mil reais. Sinceramente, eu mesmo não me torno sensacional com essa quantia, porque o Pitanguy cobraria muito mais.
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"E lá vem a onda, a onda vai, lá vem a onda". E as pessoas dançando aquilo,. vindo da platéia como se existisse empolgação. Uma baita de uma farsa. A guerra de audiências fudendo a cabeça de todo mundo. Aí, você vai em um show, rola porrada, 50 e tantas pessoas saem feridas e neguinho vem dizer que é culpa das academias de lutas. Porra nenhuma. É culpa da propagação de valores esdrúxulos, de um individualismo tacanho, fútil, que coíbe sentimentos e virtudes mais nobres como amor, honradez, amizade, caráter, sinceridade, honestidade, dedicação e talento. Tudo isso está indo pro CARALHO, ou pro CARACA, como deve preferir o tal professor de etimologia.
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Tá, o mau humor voltou. Mas pelo menos agora vocês podem reclamar pelos comments.
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