26 abril, 2002

Abolaieu - Cena 1
O começo? Perdido em algum lugar do inconsciente e no universo das coisas nunca filmadas, gravadas ou fotografadas. O começo da minha relação com a bola pode ter sido uma revista do Flamengo de 1971 que meu pai me deu, que tinha uma foto grande do paraguaio Reyes, símbolo da raça. Uma das primeiras palavras relacionadas a doença que aprendi foi leucemia, doença que matou o paraguaio. Uns dois anos depois ouvia meu pai sempre falando, "Reyes morreu de leucemia", e ficava eu lá imaginando que tipo de doença matava um super-herói.
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Sim, porque eles foram meus primeiros super-heróis. Na época, tinha o Capitão Aza, e víamos lá os heróis Marvel em péssimos desenhos animados (?). Mas já havia Luisinho Lemos, aquele que depois ficou conhecido como Luisinho Tombo, na época um atacante cabeludo e que jogava de meias arriadas. Sim, talvez tenha tudo começado com Luisinho Tombo. Agora, se eu fosse Nick Hornby, teria desistido de escrever Febre de Bola se eu tivesse que escrever "Tudo começou com Luisinho Tombo".
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Metade da minha vida se passou, eu vi a propaganda dos fósforos-jogadores de futebol da Copa de 1974, me lembro de um estranho Valdomiro (que depois seria grande ídolo do Colorado no bi de 1975/76, naquele timaço do Inter-RS) fazendo gol contra o Zaire, mas o resto são trevas. Eu tinha seis anos nessa Copa. Mas antes de chegar a de 1978, veio Zico - definitivo na vida de qualquer criança. Com Zico, choramos juntos a morte de Geraldo (meia que morreu durante falha em operação de amígdalas), choramos juntos o pênalti perdido em 1976 na Taça Guanabara, choramos juntos uma derrota horrível para o Fluminense de Rivelino, Rubem Gálaxe, Pintinho e cia (3 a 0).
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Mas foi exatamente no mesmo dia, conheci ambos: Zico e o Maracanã. Uma tarde qualquer de 1975, um Flamengo x América. O Diabo tinha um time forte pacas, com País no gol, Uchoa, Alex, Geraldo e Álvaro; Ivo Wortmann (esse mesmo, técnico), Bráulio e Gilson; Flexa (da Seleção) e mais dois que não me lembro. Mas depois que eu me hipnotizei pela visão do gramado surgindo, se abrindo depois daquele pequeno esforço para superar o declive, vi o Flamengo vencer por 3 a 1. Zico passou dos 28 gols, descemos a rampa e, do lado de fora do Maracanã, meu pai disse: "Acho que esse garoto, Zico, vai longe. Tem X gols no campeonato". Nem meu pai sabia o quanto Zico iria longe pelo Flamengo - tragédias canarinhos à parte, por favor.

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Sim, talvez tenha começado antes desse dia no Maracanã. O vício pode ter rolado na hora de ler a revista do Flamengo, ou vendo algo pela televisão, ou mesmo chorando uma derrota de seu clube. Mas sinceramente? Nada supera como lembrança em sua vida saber que já foi leve o suficiente para ser erguido nos ombros de seu pai no meio da festa de mais um gol de seu time. Esperando por um replay que nunca viria. Vendo a festa, vivendo como se não houvesse amanhã, como se não fosse necessário crescer.
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Hoje, é triste ver que pais e filhos não vão mais aos jogos porque as arquibancadas estão reservadas para os marginais matarem uns aos outros.

(proximo capítulo: O dia em que tudo deu certo e o dia em que tudo deu errado dentro de campo)