12 fevereiro, 2002

Tudo o que eu precisava
Saio de casa duas horas antes. Táxis não conseguem entrar no local onde fica o jornal. Espero o ônibus, ele demora pelo menos uma hora para passar. Chega. Salto no metrô, mas nem todas as entradas estão abertas - desnecessário dizer que a que está mais perto está fechada e eu só descubro isso quando dou de cara com um bebum dormindo na porta. Ando debaixo de um sol faraônico até a São Clemente.
No metrô, no primeiro dia do plantão, cruzo com centenas de torcedores do Botafogo e logo depois com milhares de não menos alvinegros foliões do Cordão da Bola Preta. Saio na estação Praça Onze e centenas de turistas, passistas, foliões, transitam aos berros, sob músicas horrendas e alegorias que parecem ter saído de um pesadelo de Pasolini.
E voltando para casa? Pego uma carona até Ipanema, achando que vou me livrar do agito. Amadorismo da minha parte. Em Ipanema, grosas de foliões bêbados do Simpatia é quase amor (não vi nenhum dos dois sentimentos) entopem a rua. O caos e a informalidade dominam o ambiente. Vejo até uma nova técnica, que me lembram os primeiros cro-magnons inventando o fogo ou a roda: latinhas de cerveja recolhidas pelos catadores são colocadas em montes, rapidamente, embaixo das rodas dos ônibus, para serem amassadas e transportadas mais facilmente. Não sei porquê, fiquei deprimido.
Depois de esperar por exatamente 87 minutos pelo meu ônibus, entro nele e penso que vou ter uma viagem tranqüila - estou cansado. Lêdo engano. No trajeto de Ipanema até minha casa, as ruas estão TOMADAS por sujeitos sem camisa, ameaçadores, com latinhas de cerveja quente na mão e o coração cheio de desilusão, pois saíram aos bandos e obviamente não conseguiram beijar boca de mulher nenhuma.
Turistas de todas as partes do Brasil andam a esmo, sem saber direito porque estão fazendo aquilo. O calor parece aumentar. Em todas as praças, músicas baianas são tocadas em um volume capaz de espantar a cera do ouvido. Vejo assaltantes aqui e ali. Mais grupos de caras estranhos e agressivos. Meninas mineiras e suas famílias derramam seu sotaque na calçada e transpiram uma desperdiçada inocência - qualidade que, naqueles lugares, é equivalente mais ou menos à Madre Teresa de Calcutá vendendo bíblias em uma orgia comandada por Costinha e Calígula.
Finalmente chego em casa, tomo banho, como alguma coisa e me deito em frente à televisão. Ligo na Rede TV e vejo flashes do Carnaval. Não sei para quê, aliás. E vejo a mãe loura do funk, Verônica Costa, entrevistando a mãe preta das mulheres peladas, a Globeleza.
A entrevista tem um efeito impressionante sobre meu cérebro: parece que todo meu raciocínio, conhecimento, memória, capacidade intelectual (que não considero muita), tudo, tudo está sendo sugado por aquela dupla. "Estou desde as duas da tarde pintando o corpo", diz a Globeleza. Olho o relógio, e são dez da noite.
Mudo de canal e caio no Big Brother, no Multishow. Com dois minutos eu desisto e desligo a TV e sonho com lexotans voadores aterrisando em meu cérebro. É noite. Talvez para sempre.
Carnaval, tudo que eu precisava.