30 janeiro, 2002

Cuidado

Sempre que sentia-se mais sensível, como estava ocorrendo nas últimas semanas, fechava-se no seu canto, com medo de chorar. Qualquer palavra dita sem muito cuidado a feriria e a levaria à vulnerabilidade das lágrimas na presença de quem quer que fosse. Defendia-se de tudo e de todos, fazia interpretações erradas que derrubavam-lhe o ânimo fragilizando-a ainda mais, por ver-se, então, exposta. E mostrar-se era algo que ela ainda não dominava. Ou não queria. Desejava manter-se oculta e a angústia vinha desta impossibilidade.
Os amigos começaram a achá-la chata, mal-humorada, desgostosa, séria. Diziam que ela estava em crise. O namorado não podia abrir a boca para sugerir-lhe sequer uma roupa porque ela imaginaria, tristemente, que ele não gostava do jeito dela. As neuroses pareciam quadruplicar-se e a carência subia a um nível extremo e exagerado de querer zelo. De ser querida. Afastou-se tanto. Queria ser auto-suficiente e suportar a convivência consigo mesma.
Cuidado. Foi o que eu pensei quando a observei. Cuidado com o que sente, procure alguém que te cuide, preserve quem te afaga, dê atenção ao seu corpo, toque com carinho nas partes que você menos gosta, olhe-as com atenção, chore quando quiser e o faça com a mesma naturalidade do sorrir, não se envergonhe de ser feia, tão pouco de ser bonita, porque se é o que se é e dane-se, portanto não se esconda nem exiba o que não é, porque nós não somos nada demais, você tem até estômago, veja só. E eu não sabia se estava querendo dizer isso tudo para ela, para mim ou para você. E me pareceu um pouco aqueles emails de "considerações sobre a vida". Dessa vez foi então eu que pensei: quero dizer isso e direi. Dane-se.