28 novembro, 2001

Sete beijos
Eles trocaram alguns emails, e ele insistiu que não tinha jeito, ela não iria gostar dele de jeito nenhum, ainda mais porque estava com uma barriguinha de três meses - quando ela finalmente o encontrou, ainda disse que era mentira, que era uma barriga de oito meses - "Pra não dizer que já vai nascer", acrescentou a moça, depois de sorrisos e beijos.
Ele foi pegá-la na rodoviária, depois que os dois já tinham dito "eu te amo" um para o outro, frase essa extremamente grave, pesada, que só deveria ser dita um segundo antes do fim do mundo - no mínimo. Mas passaram a semana dizendo o quanto estavam apaixonados, pelo telefone, e ele depois receberia uma conta de 800 reais, e diria, "ah, foda-se".
Na rodoviária, eles se deram um beijo.
Entraram no táxi, depois que ele pegou a mala com rodinhas dela, e seu travesseiro, cujo cheiro ele jamais esqueceria - o cheiro do cansaço puro dela, gata mansa, linda, querendo dormir mais confortável que os outros na viagem, e conseguindo isso. Dentro do táxi, ele mostrou o Aterro do Flamengo e o Pão de Açúcar. "Que lindo", ela disse, com seus olhos distantes. Ele lembrou da música dos Rolling Stones, "so if you´re down on your luck/and your life ain´t worth a dime/find a girl with faraway eyes".
No táxi, deram mais um beijo.
Logo eles chegaram em casa, descarregaram as malas. Ela ligou a televisão e começou a olhar o que tinha. Olhou a casa, mas preferiu olhar os CDs depois. Pegou umas revistas. Deram o terceiro beijo, desta vez mais longo. "Fiquei com tesão", ela contaria dias depois, sobre aquele beijo.
Os dois conversaram sobre a prima dele, que tinha se casado, ela e a prima dele eram muito amigas, e há tempos não se viam. Os dois jantaram algo, talvez um filé à parmegiana ou mesmo uma lasanha. Com vinho. As bocas, saturadas dos tons, sabores, essências e bouquets do vinho, deram mais um beijo.
Eles deitaram na cama, e ele a tocou. E disseram "eu te amo" pela primeira vez estando frente a frente. Mas parecia não ser a mesma coisa - não que houvesse menos amor, ou mais, mas era diferente, como se estivessem começando a se amar de novo. Os dois pareciam estar apaixonados pela pessoa que amavam pelo telefone. Pensaram nessas duas "outras" pessoas e deram o quinto beijo de suas vidas em comum - enquanto estiveram em comum.
Fizeram um amor rápido, apaixonado, um pouco violento, passou, passou, eles se abraçaram, desesperados. Ele mais ainda. Se beijaram de novo, mas faltava mais alguma coisa.
Ouviram o disco dos Counting Crows que ela trouxera, ao vivo, e tudo começou a ficar bem, ou pelo menos melhor, de novo. Ele preferiu não tentar beijá-la.
Ela teve que ir embora. No dia do aniversário dele, e ele passou o dia fazendo isso, levando ela embora. Ouviram juntos a música do Radiohead que canta "she looks like the real thing", e ele chorou, no colo dela, porque sabia que tudo estava acabando ali, naquele momento. Preferiu chorar de uma vez, enquanto ela estivesse por perto - não deveríamos ser assim com todos que amamos, chorar em sua presença, e não quando os corpos inertes em um caixão não podem mais aprender de vida com nossas lágrimas? Sim, ele foi ao próprio enterro, mas o corpo era o dela, e estava viva.
Colocou-a dentro de um ônibus, ele teve o cuidado de comprar leito, para ela descansar - o Rio de Janeiro tinha sido cansativo, cruel, agitado demais para ela. Ele entenderia meses depois.
Um dia, ela mandou um email, dizendo que ainda havia amor. Ele pensou no sétimo beijo. Naquele dia, um time dava de 7 a 1 no outro. Ele pensou na outra, por quem estava se apaixonando. Talvez estivesse, ainda não tinha certeza. Mas tinha vontade de ficar com ela sempre, o tempo todo.
E pensou que na verdade iria mesmo é ficar sozinho. Apertou "play", e Janis Joplin começou a cantar "Maybe". E beijou a si mesmo pela sétima vez.