25 março, 2003

Troco carta de novo, coloco meus dois exércitos da América do Sul, três da África e vou de dois contra dois, Egito contra Oriente Médio
Sobre a guerra, vale muito, mas muito a pena visitar o site português Resistir.info, que tem crônicas de Eduardo Galeano e Noam Chomsky, notícias, opiniões, manifestos pacifistas e um artigo interessante de Robert Fisk (de quem nunca ouvi falar) sobre "como as notícias serão censuradas nesta guerra".
Como eu sei que é um porre ficar clicando em link atrás de link quando às vezes a gente está em uma conexão ruim, coloco o artigo aqui abaixo, na íntegra. É longo, mas vale a pena.
Como as notícias serão censuradas nesta guerra
— Com o sistema do 'script approval' imposto pela CNN o Pentágono já não tem de se preocupar com nada.
por Robert Fisk
Os media empresariais americanos já manifestam a sua aprovação ao método de cobertura das forças americanas que os militares tencionam autorizar na próxima Guerra do Golfo. Trata-se agora de incorporar os rapazes da CNN, CBS, ABC e The New York Times entre os marines e a infantaria dos EUA. O grau de censura vai aumentar. Já não é preciso que o Pentágono ande a fazer cortes nos despachos do repórteres. O novo sistema do 'script approval' (aprovação do original) imposto pela CNN — uma instrução aos seus repórteres para enviarem todas os seus textos a responsáveis anónimos em Atlanta a fim de garantir o saneamento adequado — sugere que o Pentágono e o Departamento de Estado não terão de se preocupar com o assunto. Nem os israelenses.
Na verdade, a leitura do novo documento da CNN intitulado "Memorando da política de aprovação do original" ("Reminder of Script Approval Policy") é de cortar o fôlego. "Todos os repórteres a preparar conjuntos de originais devem submete-los à aprovação", diz ali. "Os conjuntos não podem ser editados até que os originais tenham sido aprovados... Todos os conjuntos originados fora de Washington, LA (Los Angeles) ou NY (New York), incluindo todas as redacções internacionais, devem ser encaminhados à ROW em Atlanta para aprovação".
A data desta mensagem extraordinária é 27 de Janeiro. O "ROW" é uma fiada de editores de originais em Atlanta que podem insistir em mudanças ou "equilíbrios" no despacho do repórter. "Um script não está aprovado para ir para o ar a menos que esteja adequadamente marcado como aprovado por um administrador autorizado com duplicado para o gabinete de cópia... Quando um script é actualizado ele deve ser re-aprovado, preferivelmente pela autoridade que o aprovou originalmente".
Notem-se as palavras chaves aqui: "aprovado" e "autorizado" . O homem ou a mulher da CNN no Kuwait ou Bagdade — ou Jerusalém ou Ramallah — pode conhecer o pano de fundo da sua história; na verdade, eles conhecerão muito mais sobre isso do que as "autoridades" em Atlanta. Mas os chefes da CNN decidirão o carácter (spin) da história.
A CNN, naturalmente, não está sozinha nesta forma paranóide de reportar. Outras redes dos EUA operam igualmente sistemas anti-jornalísticos. E não se trata de falha dos repórteres. As equipes da CNN podem vestir roupas militares — você os verá vestidos assim na próxima guerra — mas eles tentam revelar alguma coisa da verdade. Da próxima vez, contudo, eles vão ter ainda menos possibilidade.
Para onde este odioso sistema conduz é evidente a partir de uma intrigante conversação no ano passado entre o repórter da CNN na cidade ocupada de Ramallah, no West Bank, e Eason Jordan, um dos dirigentes de topo da CNN em Atlanta.
A primeira queixa do jornalista foi acerca da história do repórter Michael Holmes sobre os condutores de ambulância do Crescente Vermelho que são repetidamente alvejados pelas tropas israelenses. "Nós arriscámos nossas vidas e andámos com condutores de ambulância... durante um dia inteiro. Testemunhámos a partir da nossa janela na ambulância que estávamos a ser alvejados por soldados israelenses... A história recebeu a aprovação de Mike Shoulder. A história passou duas vezes e então Rick Davis (um executivo da CNN) matou-as. A razão alegada foi que não tínhamos uma resposta do exército israelense, apesar de termos declarado na nossa história que Israel acreditava que os palestinos estavam a contrabandear armas e pessoas procuradas nas ambulâncias".
A AMBULÂNCIA QUE DAVA TIROS
Os israelenses recusaram-se a dar uma entrevista à CNN, apenas uma declaração escrita. Esta declaração foi então inserida dentro do script da CNN. Mas foi rejeitada outra vez por Davis, em Atlanta. Só quando, depois de três dias, o exército israelense deu uma entrevista à CNN é que Holmes pôde passar a sua história — mas com a desonesta inclusão de uma linha dizendo que as ambulâncias foram apanhadas em "fogo cruzado" (isto é, que palestinos também atiraram a partir das suas próprias ambulâncias).
A reclamação do repórter era demasiado óbvia. "Desde quando nós submetemos uma história de reféns aos caprichos de governos e exércitos? Foi-nos dito por Rick que se não conseguíssemos um israelense na camara não teríamos o material no ar. Isto significa que governos e exércitos estão indirectamente a censurar-nos e estamos a representar exactamente como eles querem".
A relevância disto é demasiado óbvia na próxima Guerra do Golfo. Acabaremos por ver um oficial do Exército americano a negar tudo o que os iraquianos disserem se alguma reportagem do Iraque tiver de ir para o ar. Veja-se outra das queixas do correspondente de Ramallah no ano passado. Num material acerca dos danos a Ramallah após a incursão maciça de Israel em Abril último, "já mencionámos logo na abertura da nossa peça que Israel diz que esta a fazer todas estas incursões porque quer destruir a infra-estrutura de terror. Mas, obviamente, isto não era o suficiente. Fomos instruídos pelo ROW (em Atlanta) para repetir esta mesma ideia três vezes na mesma peça, apenas para assegurar continuávamos a justificar as acções israelenses..."
CENSURA COMPUTADORIZADA: CLIQUE O BOTÃO
NÃO APROVADO / APROVADO
Mas o sistema do "script approval" que desfigurou a cobertura da CNN ficou pior. Numa nova e ainda mais sinistra mensagem datada de 31 de Janeiro deste ano, o staff da CNN foi informado de que um novo sistema computadorizado de aprovação de scripts permitirá "aprovadores autorizados de scripts marcarem os scripts (ou seja, a reportagens) de um modo claro e padronizado. Os EPs (executive producers) de scripts clicarão no botão colorido APROVADO a fim de mudarem a sua cor para vermelho (não aprovado) ou para verde (aprovado). Quando alguém faz uma alteração no script depois da aprovação, o botão mudará para amarelo". Alguém? Quem é este alguém? Ninguém disse isso aos repórteres da CNN.
Mas quando nos recordamos que após a Guerra do Golfo de 1991 a CNN revelou que havia permitido a "recrutas" do Pentágono estagiarem na sala de notícias da CNN em Atlanta, eu tenho as minhas suspeitas.

02/Mar/03
O original deste artigo encontra-se em http://argument.independent.co.uk/commentators/story.jsp?story=381438.