28 março, 2003

Cuba
É comum se discutir a revolução cubana, ou melhor, Cuba em sua situação atual, por meio de um maniqueísmo - bebedores de chope se dividem em três grupos: os que acham que Fidel é ditador (PFL), os que acham que Fidel é ditador mas que seu regime e a revolução tiveram grandes conquistas sociais (PDT com PSDB) e aqueles que acham que é babaquice esse negócio de Fidel ser ditador porque nenhum cubano quer outro barbudo no lugar dele (PC do B).
Eu nunca fui a Cuba, por isso é difícil escolher um lado. Mas desde já me admiro da facilidade com que os bostinhas qualificam o tal regime do charuteiro como "ditadura".
Eu prefiro ver essa história de Cuba com o mesmo pensamento com que assisti hoje Buena Vista Social Clube, do Win Wenders, documentário simplesmente devastador de almas que sacudiu a roseira por aqui lá pelos idos de 2000, 2001. Comprei o DVD na Livraria Cultura e vi, mais uma vez, comovido.
Primeiramente, porque os velhinhos são mesmo foda. Aqueles lá nunca sequer imaginaram que em algum lugar do mundo tem gente que usa o ânus para outra coisa a não ser cagar. São machos de verdade, mas sem ser machistas. Compay Segundo, 90 anos de vida e 85 de tabagismo, diz que quer ir pro sexto filho. Ibrahim Ferrer segue abraçado com sua gordinha, provando mais uma vez que mocréia é que nem mortadela Sadia, vergonha é deixar de comer. E Omara Portuondo se debulha em lágrimas diante de Ferrer, cantando "Veinte Años", uma música extraordinária, com letra e música capazes de fazer chorar um hidrante.
Depois, vendo as ruas imundas e lindas de Havana, carros velhíssimos, ônibus idem, e os caras andando a pé tranqüilamente, sem grupos armados de fuzis, com pobreza mas sem indignidades (sim, porque o que mais me assusta aqui não é a pobreza, mas é a capacidade que nós tivemos em 500 anos de história de colocar o ser humano em um patamar reles), fiquei pensando no quanto os cubanos em geral são osso duro. Não entregaram a porra da rapadura desde 1959.
E Fidel Castro, como é citado no blog do Luis Augusto Simon (a quem eu não conheço mas desde já digo que tenho muito respeito pelo que escreve), de certa forma - não, não é um julgamento definitivo - teve culhões. Quando Kennedy começou a botar submarinos e couraçados para desembarcar gente na Baía dos Porcos, Fidel estava lá, na linha de frente, peito aberto, pronto para sair na porrada.
Claro, os bostinhas sempre preferem ocultar essa parte da história e admirar papai Bush, que fugiu do Vietnã por ser endinheirado e comanda a guerra pelo controle remoto da CNN. Fazer o quê?
Além do mais, o barbudo de discursos intermináveis decidiu, provavelmente com termos muito mais educados do que aqueles que escrevo aqui: "Vamos tentar fazer um país de verdade, com dignidade, com valores decentes, com ambições justas, e não um país de filho da puta deixando senhora de idade agonizando em porta de hospital por causa de regrinha de plano de saúde ou um país de merda onde adolescente de 14 anos toma tiro no Metrô e governantes filhos da puta não fazem porra nenhuma". Quer dizer, em 1959 não devia ter metrô por aquelas paragens, mas sei lá se Fidel previu alguma coisa.
Só sei que o cara está ali. Como diz o Ferrer no Buena Vista Social Clube, "somos pequenos mas somos fortes". Nunca é demais lembrar que foi a própria revolução do Fidel que fudeu c´os caras, fechando tudo quando é boate e night club onde eles se apresentavam. Mesmo assim, Ferrer foi engraxar sapato e viver a vida dele, sem vaidade, com a mesma voz do cacete. "Que mal há nisso? Eu tenho filhos, precisava sustentá-los", diz o velho, no documentário, quase transbordando de dignidade.
E nessas horas eu penso no quanto neguinho luta por uma "carreira" ou uma "posição" ou tem "padrões", etc, e na verdade a vida parece que tá passando ao lado do cara - mas não nele.
A história, a vida, passou em Cuba. Independente do que a gente ache de lá.