27 novembro, 2002

Alto e seco
Dando uma arrumada nos meus CDs de festa, noto que um deles está só com a capa, sem o principal dentro. Quando vejo de novo qual é a capa, o desespero bate. Procuro em outro CD do mesmo conjunto, e vem o alívio - encontro. A apreensão tinha sua razão de ser: o CD "fujão" era "The bends", do Radiohead. Para compensar o susto, coloco para tocar enquanto termino de arrumar os CDs e o próprio quarto do computador.
E com a audição de "The bends", mais uma vez acontece: o Radiohead cria uma nova atmosfera, praticamente um mundo novo. Se é um mundo agradável? Bom, não dá para chamá-lo assim. Mas é com certeza um lugar na serra, onde nos sentimos como em um refúgio de nós mesmos. Sem o calor daqui do mundo urbano, sem suor, sem mágoa ou susto, e muito seco. Como na música, "High and dry", genial, melódica, triste, e ao mesmo tempo em que é melancólica, protetora.
Tenho todos os discos do Radiohead. Quer dizer, todos não, infelizmente ainda não comprei o último, ao vivo. Costumo dizer que meu favorito é o terceiro, "Ok computer". Apenas "costumo" dizer, porque quando ouço o "The bends", por exemplo, essa impressão diminui. Uma seqüencia de canções maravilhosas, embrulhadas em papel laminado e com odor, como "High and dry", "Fake plastic trees", "[nice dream]", "Bullet proff....i wish i was" e "Street spirit", todas do "The bends", cuida de me convencer de que esse CD é a grande obra-prima da superbanda britânica. Nesse disco, Thom Yorke canta como se cumprisse uma função social: o acalanto de gente grande. "Durma, desamparado, porque o mundo é uma merda mas quando você está ouvindo isso aqui você é feliz", é o que parece dizer.
Talvez seja isso mesmo - o Radiohead tem mesmo uma função social. Aliás, não é à toa que Thom Yorke também está na campanha de Bono Vox, que luta para que os países desenvolvidos perdoem as dívidas externas dos países em desenvolvimento. Bono deve saber das coisas, né? Enquanto por aqui neguinho vive desvinculando do ideário neo-liberal suas conseqüencias óbvias como a miséria, o desemprego e o subemprego, Bono por lá criou o movimento que tenta o perdão das dívidas para a salvação do mundo abaixo do equador.
Yorke apóia a campanha, mas já disse uma coisa: não quer contato com nenhum governante. E deu a entender que a medida é apenas por assepsia. Thom Yorke demonstrou ter nojo das pessoas que precisam ser abordadas para a missão de Bono.
Mas ele já cumpre desde "Pablo honey" uma outra função social: a de consertar os efeitos do desamor sobre o mundo. Se não consertar, pelo menos fazer um curativo eficiente, de modo que o paciente possa retomar suas funções primárias. Ficam as cicatrizes, mas o sorriso pode até voltar. Nada como uma tarde sozinho, com o ar condicionado ligado e o mundo ficando do lado de fora, e você ouvindo "The bends", "Ok computer" ou mesmo "Kid A". Por alguns instantes, a dor do ouvinte é sugada para o cara que está cantando, como se Thom fosse mesmo um vampiro de angústia.