14 setembro, 2002

Quem vai botar o guizo no pescoço do gato?
A piada é clássica: o gato começa a vencer a batalha contra os ratos, até que estes se reúnem e decidem que a solução é alguma forma do gato fazer barulho ao se aproximar, e assim dar tempo dos ratinhos darem no pé. A proposta é aprovada por unanimidade, e pela mesma unanimidade os ratos concordam que o melhor é colocar um guizo no pescoço do bichano. O plano emperra, porém, na hora em que um pergunta quem iria cumprir a perigosíssima tarefa.
Estas coisas me vêm à cabeça agora, quando termina um semana em que ficou totalmente provado que a bandidagem faz absolutamente qualquer coisa no Rio de Janeiro. Há pelo menos dez anos ouço falar em Viva Rio, em Rio Contra o Crime, em ONGs pela paz, em passeata, em desfile. Há pelo menos 20 anos ouço alertas sobre a criminalidade crescente.
Algo melhorou? Nada. Os bandidos estão cada vez mais ousados (este ano, quatro unidades militares já foram invadidas por eles), as armas cada vez mais pesadas, a fragilidade das instituições cada vez maior. Afinal, na guerra entre o secretário de Segurança meio gago e o sorridente e confiante Beira-Mar, quem vocês acham que ganha?
O problema desta guerra mesmo é o seguinte: quem vai colocar o guizo no gato, ou seja, pegar nas armas para dar um jeito? Bom, aviso logo, eu não vou. E quem quiser pegar um fuzil ou rifle e ir de madrugada lá pro Complexo do Alemão, levanta a mão. Ninguém? Pois é: estamos pagando mal uma polícia que quer ir cada vez menos. A sociedade se une para cobrar providências e criticar o estado de abandono. Mas ninguém se une para evitar as causas: de um lado, distribuição de renda absurda, de outro, aparelho policial completamente despreparado. Ninguém em condições de colocar o guizo sequer em um hamster.
A verdade é que o lado de lá não tem organização ou apoio judicial, mas tem melhores salários e melhores equipamentos. O lado de cá segue mal pago, com riscos diários de vida, e levando lenha da sociedade (na maior parte das vezes, justa lenha) de todos os lados.
E o lado de lá está ganhando cada vez mais uma outra coisa: motivação. A falta de dinheiro, a distribuição injusta da renda, a falta total de perspectivas, tudo isso vai compelindo o cara ao aqui e agora - ele sabe que a vida dele é ali, e naquele lugar, e ele sabe, pelo exemplo dos pais, que se ele não se mexer, vai chegar ao fim da vida na fila do INSS. O que será que vale mais na cabeça desses garotos que cresceram vendo o morro ter um herói: trabalhar por 151 reais ao mês levando esporro de patrões escrotos e clientes babacas ou ficar no tráfico com 300 por semana e o prestígio junto às menininhas do morro?
Ah, mas e a cadeia?, dirão alguns. Esses moleques não contam com essa possibilidade. Para eles é matar ou morrer.
Agora, pegue-se tudo isso e imagine o que o sorriso do Beira-Mar vitorioso pode fazer na cabeça desses moleques. Se alguém acreditava na múmia de Lênin e no efeito das execuções públicas francesas - como forma de propaganda política - o que não fará esse sorriso do Beira-Mar? É quase como um sorriso de vingança: "Ei, seus fihas das putas, vocês exploraram meus pais, fuderam o país, concentraram a renda, entregaram tudo, aumentaram o desemprego, só que agora vocês vão ficar com o rabo na mão, porque o bicho vai pegar em toda a cidade". Sim, parece ser isso o que diz o sorriso do Beira-Mar.
Ah, mas estamos todos tranqüilos: a PM, que é muito bem paga, muito bem preparada e equipada, vai cuidar deles para a gente. Não é mesmo? Sim, é obrigação deles, eles são pagos para serem PMs, se sujeitaram a isso. Não é mesmo?
Bom, se todos nós já chutamos o balde uma vez na vida, já fomos para casa mais cedo sem autorização, se já demos as costas pro chefe, se já adiamos um prazo de entrega, imagine o que não pode fazer um PM. Imaginou?
Não, eu não vou lá botar o guizo no pescoço do gato. Afinal, ele está sorrindo. E parece com fome.