14 setembro, 2002

Preconceitos que ajudam
Preconceitos de cor, nível social ou religião são idiotas. Não ajudam em nada, na minha opinião. O cara que tem preconceito contra negros não só não está a salvo de um branco psicopata (existem milhares deles por aí) como também pode perder grandes amizades entre os negros; preconceitos contra pessoas com menor poder aquisitivo não livram o usuário de posar ao lado de algum ladrão de colarinho branco. E religiosos então, mais imbecis ainda. Eu tenho preconceito contra qualquer candidato pentecostal ou evangélico, não voto em nenhum, mas não acho isso um preconceito religioso porque não considero religião aquela enorme terapia de grupo - e sim um grande "rachucha" contra Satanás. Preconceitos religiosos de verdade podem no máximo impedir que você tenha grandes amigos judeus ou mesmo deixe de ganhar hospedagem em comunidades amish caso você esteja fugindo de assassinos profissionais.
Fica assim então: vamos estabelecer os preconceitos que realmente importam, os preconceitos comportamentais. Não, nada de ter preconceito contra orientação sexual do cidadão. Nada disso. Ouvindo hoje o excelente CD "Ray Charles Live", pensei: "Alguém que não gosta de Ray Charles não pode ser uma boa pessoa". Claro, nem todo mundo que gosta do Ray é gente boa, mas se o cidadão não gosta, o que esperar dele? O que esperar de alguém que não gosta de Ray cantando "Yes indeed"?
Outro bom preconceito: evitar pessoas que não gostam de Neil Young. Não faz sentido andar com alguém assim. Aliás, cunhei o preconceito outro dia contra um só cara, que soltou a frase "Depois da música eletrônica, a voz humana para mim não tem mais nenhum sentido". O cara é jornalista. Bom, se o cara diz uma coisa dessas, ele provavelmente não gosta de Marvin Gaye, Otis Redding, Sam Cooke e Ray Charles. Logo, a presença dele ao meu lado é nociva.
Eu sempre achei que quem não gosta de Beatles tem menos chances de ser uma pessoa confiável. Bom, conheci algumas exceções, uns três ou quatro amigos, que são gente boa e não gostam de Beatles. Mas são 10% aproveitáveis de um contingente. A regra está valendo.
Filtrar as amizades com base nessas prerrogativas pode ir se tornando restritivo. Claro, não vou separar entre meus amigos apenas aqueles que têm o First Set dos Allman Brothers, mas há pré-requisitos que podem ser utilizados sem susto. Assim como achamos comum que evitemos sujeitos vestidos de árabe com uma cimitarra na mão fora da época de Carnaval. Sacaram? É uma forma de usar pré-conceitos que garantem bem estar e sobrevivência. E isso pode ser usado silenciosamente, sem patrulha ideológica, sem encher o saco de ninguém. Live and let die.
Bom, pensando bem, os caras podem até não gostar de Beatles, mas se disserem que não gostam do Abbey Road, vou começar a rever meus conceitos de amizade.