24 setembro, 2002

Crises criativas e afins
Recebi há cerca de três semanas uma, digamos, queixa - foi mais suave que isso - de Teresa, pedindo que haja mais crônicas aqui nesse espaço. Realmente, após a saída da Alessandra para carreira solo, crônica é tudo o que não tem aparecido aqui. O que poderia se chamar de crônica não passa de mal estar. Ou será a crônica um estado parecido? A boa crônica talvez não tenha estado - seja mais do que interestadual, seja DDI puro, ou Discagem Direta para Deus, no caso do genial Paulo Mendes Campos.
Enfim, de fato, se eu já não era lá um cronista que valesse a pena, ultimamente só tenho utilizado a língua de Fernando Pessoa para o Mal. Comecei a pensar nisso, e notei uma coisa, sem trocadilhos médicos, por favor: a dor é crônica.
Do mesmo jeito que muita gente atribui a boa qualidade da MPB dos anos 70 à necessidade de se expressar diante da repressão (basta ver que nos tempos de liberdade surgem coisas como LS Jack ou letristas baianos de aê aê aê aê ô ô ô ô), talvez se possa atribuir à vida melhor a minha falta de expressão em crônicas. Antes eu dissolvia dezenas de parágrafos em desamor, martelava linhas e mais linhas de problemas de auto-estima (ainda os tenho, claro), e fazia da rejeição uma força motriz para criar. Quem acompanha este blog desde novembro de 2001 já deve ter lido várias odes a mulheres impossíveis e até mesmo inexistentes - exceção feita à série "Mulheres que um dia amamos", baseada toda em fatos reais.
Nada como uma rejeição para despertar sua vontade de escrever, desabafar, transformar os próprios demônios em texto. Ou, pior que a rejeição, a muda preferência. Sim, quando a mulher não te rejeita e nem aceita, ela apenas "prefere" outro, porque acha o outro fisicamente atraente. Não lhe diz sim, nem não. Mas diz sim ao outro. E depois divide sua dor com você. Pois é, isso acontece com a maioria dos caras que escrevem bem, aqui nesse pedaço de não sei o quê chamado Internet. Aliás, um dos mais espetaculares textos sobre rejeição que conheço é "Leila", do meu amigo Alexandre Inagaki.
Sendo assim, de fato, fica difícil para mim despertar a criatividade quando, de repente, de uma hora para outra, eu simplesmente não sinto mais nada disso - porque tenho Marcele perto de mim. Poucos são os seres humanos que conseguem amar alguém que lhes ama e ser amado por quem ama e vice-versa e etecetera. Acontece comigo, e com Marcele. É como dizia o Fukuyama - o fim da história. Seria, se tudo na minha vida com ela não fosse um eterno começo, um contar de datas, de dias, um aniversariar constante, uma promessa, uma certeza e sempre o sonho, o melhor dos sonhos.
Sim, torço para minha crise criativa passar e eu voltar a fazer crônicas. Talvez agora sobre temas mais amenos - como descrever Marcele rindo ou mesmo me sacaneando por quatro semanas serem 28 dias, e não um mês como eu volta e meia defendia. Espero que passe a crise - mas que sempre fique uma inquietude, um desassossego. Marcele gosta assim.