26 junho, 2002

Um reacionário
Sim, estou me tornando um reacionário, aos poucos, admito isso. Acho que é uma defesa natural do ser humano, que nasce no cinismo - naquele cinismo que permitiu que as favelas crescessem e virassem sedes do tráfico: "Enquanto não está me afetando, tudo bem". Pois é, mas talvez eu não seja tão cínico, porque desde que comecei a trabalhar em jornal diário, em 1994, que a violência me afeta - hoje, com esportes, vivo melhor. Mas sempre me afetou ter que entrevistar famílias de vítimas, ir a enterros, ver corpos de crianças mortas, ver crianças como Camila Lima, em Vila Isabel, com uma marca de bala no pescoço (fui o primeiro a chegar ao local) e depois ficar paralítica, enfim, a violência sempre me perturbou - e mais um pouco ao lembrar que o comércio de armas é tão frugal quanto comprar banana na beira de estrada.
Claro, quem vai proibir ou, como disse muito bem o Hélio Luz, mandar fechar a fábrica da Colt nos EUA?
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Mas ultimamente a violência tem chegado tão perto, que tenho cinicamente sido um reacionário. Sim, porque não dá mais para aguentar coisas desse tipo. Como bem já noticiou o Maggi em seu blog, a mãe de um colega nosso, o Márcio Reis, foi brutalmente, estupidamente assassinada, na frente do marido e da filha, nesta terça-feira. Os detalhes você vê aqui no Globo On. O crime, como está lá descrito, é de uma futilidade e uma indiferença pela vida que chegam a assustar, muito mais do que revoltar. Não houve resistência, não houve discussão, simplesmente um débil mental resolveu que a vida daquela pessoa tinha que acabar. E pronto, atirou, matou a mãe de um cara que sempre foi alto astral, alegre, gente boa, com quem trabalhei na Globo.com, que como estagiário me ensinou muita coisa sobre internet.
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Quando soube do que tinha acontecido, eu mal conseguia exprimir a indignação. Mas não sei se é um reacionário que habita em mim, não sei se nessa hora a gente não consegue pensar racionalmente, mas o fato é que não consegui pensar em tratamento humano para a dupla de assaltantes idiotas, cretinos e imbecis que não tem a menor noção do valor da Vida.
Só consegui pensar em acorrentar os dois em algum lugar público, onde a família do Márcio pudesse passar todos os dias antes de ir pro trabalho e chutar a cara, bater com um porrete, socar o estômago, enfiar a sola do pé nos cornos, algo assim. Dar a eles algo do mesmo nível de estupidez desse crime idiota, bárbaro, estúpido.
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Eu não vejo mais perspectivas. O problema não é que a polícia evoluiu pouco ou o Estado perdeu o controle. Isso pode ter acontecido. Mas o problema maior é que nem os bandidos são a mesma coisa - na década de 70, eu contaria nos dedos os crimes cometidos assim a sangue frio. Ou tinha passionalismo na história, ou era bandido contra polícia. De cinco anos para cá, são centenas de histórias de inocentes - mulheres principalmente - que morrem porque mexeram no cinto de segurança ou porque mexeram no freio de mão ou coisa assim.
Os bandidos hoje estão mais armados e mais insanos.
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Só posso torcer por paz, para toda a família do Márcio Reis.