20 junho, 2002

Desconhecidas
Vi de longe, no ponto de ônibus, em frente ao Bob´s da Praia de Botafogo. Pele muito branca, nariz proeminente ma non troppo, olhos meio claro de cor indefinida - mas espertos. Sei lá o que pensava Deus ao criar as mulheres com olhos espertos - se é que é exatamente coisa d´Ele. Pelo mal que fazem ao meu coração, não parece. Afinal, tudo o que faz bem ao coração chamamos divino - e vice-versa: a música, o vinho, o sexo. Amor não. Amor tira o ritmo.
Só sei que além de tudo, os cabelos, presos, eram ruivos. Não tinha a pele bem tratada - vários defeitos, que só a tornavam mais interessante, afinal, a impressão que me passam as mulheres perfeitas de corpo e de rosto é que passam o dia cuidando disso e portanto não exalam mais nada que isso.
Essa ruiva não, tinha algo nos olhos espertíssimos que me desestabilizava. Obviamente que pegamos o mesmo ônibus, o 107. Lotado. Nos separamos visualmente e assim que chegou ao Pinel e desceu um pouco de gente, pude revê-la. Séria, mas com olhos sorridentes. Reparei nas mãos, no modo como se segurava, e o que fazia com a outra mão desocupada. Mãos longilíneas.
Quase abordei-a, com algo do tipo:
- Olha, desculpe, isso não é uma cantada barata, acredite, mas a gente não se conhece de algum lugar?
Ela iria talvez sorrir ou então gargalhar, pensando, "como esse cara ousa, olhe para ele?", e era eu voltando de plantão na madrugada, barba por fazer, óculos escuros, em 1,60m de pensamentos passionais. Bom, de repente ela falaria "não sei", e eu emendaria algo. E me sairia:
- E agora sim, é uma cantada barata: existe possibilidade de nos encontrarmos novamente?
Talvez não desse tempo de ela responder - ou ela gargalhasse antes e aí sim teria se esgotado o tempo da resposta. Ela desceu depois da Uni-Rio, atravessou a rua e sumiu na névoa, eu segui em frente. Provavelmente nunca mais verei aqueles olhos espertos, aquela pele branca. Não terei nem a chance de vislumbrar um futuro feliz ao lado dela, acordando cedo, fazendo café para os dois, dividindo e brigando pelas melhores partes dos jornais. Nem mesmo a oportunidade de segurá-la por poucos minutos contra o peito, e beijar a ruiva olhando para os cabelos/penugem que ela deve ter perto das orelhas. Foi-se, e eu também me fui, havia outros delírios para concluir, um sono de oito horas para ser feito.
E aí fiquei pensando mais uma vez que amor é isso mesmo, uma mistura caótica de sonhos e hormônios.