Os melhores LPs da minha juventude
Número 4 -The Wall, do Pink Floyd
Eu só fui ter o choque de realidade ao descobrir que se cresce, vive e morre depois que eu vi e ouvi pela primeira vez The Wall, o filme e o disco. Com a cabeça um pouco instável ainda, aos 16 anos, devido à perda um pouco prematura do pai, eu ainda não sabia se eu deveria mesmo crescer - até porque não sabia crescer sem o velho ao lado, ensinando que a coisa boa da vida é ter acima de tudo caráter. Mais ou menos um ano se passou desde aquele dia terrível e inesquecível até o fim de tarde em que fui ao antigo cine Botafogo (onde hoje é o Espação Unibanco), antro de filmes pornôs e caratecas, assistir à primeira sessão da minha vida do tenebroso filme/animação de Alan Parker sobre a viagem mais sem volta da vida de Roger Waters.
A partir daquele dia, eu não conseguiria mais fazer o cérebro funcionar da mesma forma. Waters tinha me ensinado então que existe o muro, que existe o muro às vezes em volta da gente e às vezes no meio do caminho.
Naquela mesma semana eu peguei Pink Floyd, The Wall, o LP, emprestado. Me lembro que comprar disco duplo era mais difícil, ainda mais para um adolescente que ainda não trabalhava, vivendo em uma ainda civilizada cidade do Rio - 1985 era o ano. Rock in Rio, fim da ditadura, vida seguindo, promessas de "Nova República (com Sarney, mas todo mundo acreditava, menos o pessoal do Pasquim)". Enfim, peguei emprestado o The Wall e de repente não consegui mais achar que vinha um mundo novo por aí. "Look, mummy, there´s an airplane in the sky", eu ouvia aquela voz de menino e logo depois o violão sombrio, as vozes em côro como se estivessem em um velório e um órgão sinistro como se estivesse sendo tocado por bombas mortais atiradas de um caça da Luftwaffe. A voz de David Gilmour prolongava os versos que eu mal entendia, mas entendia de outra forma. Entendia como um suspiro.
Era um disco mágico. Depois da saudação inicial de "In The Flesh" (música que iniciou o show de Waters no Rio), vinha a balada de imensa tristeza e desolação, que para um recém órfão de pai parecia mortal: "The thin ice". "Mama loves her baby/And daddy loves him too/And the sea may look warm to you, baby/And the sky may look blue".. Estes versos davam a segurança, eu os entendia bem, a segurança da mãe, do pai, do mar quente e do céu azul.
De repente, a balada muda, fica mais hermética e entra Waters cantando: If you should go skating/On the thin ice of modern life/Dragging behind you the silent reproach/Of a million tear-stained eyes/Don't be surprised when a crack in the ice/Appears under your feet/You slip out of your depth and out of your mind/With your fear flowing out from behind/You as you claw the ice.
De arrepiar. o "gelo fino da vida moderna" - uma definição poética, sombria e magistral.
O disco tinha momentos de festa, como "Young Lust" (no filme, dá início a um strip-tease de uma linda "groupie"), e um desabafo apocalíptico em "One of my turns", quando Pinky atira a televisão pela janela. "Vá até a gaveta e me traga o meu machado favorito", diz a música, numa referência inconsciente a "O Iluminado", uma das maiores "turns" de um indivíduo na história do cinema.
Para encurtar esse post longuíssimo, chamo a atenção para duas músicas que me rachavam a alma ao meio, eu aos meus 16 anos, sem saber que direção tomar: "Mother" e "Confortably Numb"; na primeira, Waters faz uma referência ao fato de Pinky ter ficado órfão do pai na guerra e ter assim adquirido uma mãe superprotetora, algo que pode ser a destruição de uma personalidade. "Mama gonna make all of your nightmares come true", era a sinistra previsão.
Na segunda, referências dolorosas e implacáveis à infância ("when i was a child, i had a fever"), a imagens cálidas mas que dão angústia ("a distant ship smokes on the horizon"), e a ode suprema, um verso à desolação, ao isolamento humano inevitável em um final de século que começava a se impregnar de violência e medo de guerras - e crises econômicas, claro: "The child is grown, the dream is gone".
Em um post tão enorme, eu não consegui falar nem a metade de tudo o que essa obra-prima do Pink Floyd diz à minha alma, ao meu coração, à minha razão. Também pudera. Poucos conseguiram ser tão viscerais, captar o horror de entender que a vida é verdadeira (aquele horror pregado por Fernando Pessoa em "Terceiro Fausto"), quanto Waters-Gilmour nesse disco. "Just another brick on the wall" é a frase que eu mentalmente digo a mim mesmo há anos, quando algo não acontece como a gente quer. E isso é freqüente. Acredito que com todos, nesse mundo onde volta e meia é possível se sentir um fantasma em carne.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home