22 novembro, 2001

Mulheres que um dia amamos - 5 (De volta ao passado)
M.
Seu nome não era comum, por isso eu não quero escrevê-lo inteiro. Não sei onde ela pode estar nesse momento, e reluto em vê-la, passar por ela, ouvir seu nome. Não quero que ela leia esse texto - porque sei que ela não gostaria que eu me referisse a ela como alguém que eu amei. Ela me chamaria de mentiroso.
Não por ódio, não por amor, nada por paixão.
Mas com M. eu vivi loucura em excesso, mais do que eu poderia suportar hoje - os anos me trouxeram fragilidade nas estruturas, como acontece com as obras mal feitas e os acidentes geográficos mais engenhosos. Só sei que ao longo de um ano e meio eu tive com M. um namoro completamente louco.
Encontrei-a em um curso pré-vestibular, em 1987. Nos identificamos - ela, a única que se vestia de preto, eu, o único que não sorria muito - ou sorria menos, somente para minhas próprias cretinices. Começamos a beber. Uma noite, ela chorou deitada em sua cama, por causa de um homem - e eu assisti. Em dado momento, apesar de ela estar chorando, olhei para a bunda dela - ela estava com uma calça fininha - e achei linda. Mas não disse nada.
Cinco anos se passaram desde a última vez em que bebemos, ela me perguntando, "você já teve namorada", e eu dizendo "mais ou menos", e ela dizendo, "acho difícil,. você é muito baixinho, muito franzino". Eu fiquei puto, mas engoli. Sou mesmo baixinho - para homem - e na época era bem franzino.
Depois desses cinco anos, eu estava em casa, puto, com uma fossa daquelas, bebendo uma cerveja e vendo um filme qualquer quando ela ligou. "Sou eu, vem aqui, vamos beber uma cerveja", e eu disse, "estou nessa, claro", e fomos lá para o bar da família dela, e bebemos. Aí ela disse, "vamos para o apartamento da minha irmã, está vazio", e eu, "claro, vamos". A gente já tinha bebido bastante, e de graça.
Eu fiquei olhando para ela, estava bonita - e não era muito bonita quando eu a conheci. Fiquei olhando para o decote dela. Ela me diria horas depois que ficou reparando no meu rosto, que estava mais quadrado e endurecido, e no meu tórax, que estava mais crescido.
Em dado momento, os dois bêbados, eu disperso, ela diz, "ou você fica comigo ou você vai embora", e eu a beijei. Só que entendi errado - mas a gente continuou.
Ficamos acordados até de manhã. Tomamos banho juntos. Não sabíamos o que fazer da vida.
Até que um ano e meio depois, de muita sorte, dor, prazer, felicidade, angústia, loucura, tristeza e alegria, ela me ligou, de manhã cedo, magoada até o último fio de cabelo, porque eu não tinha ligado. Ela tinha razão - e eu tinha as minhas. Ela disse, "Eu vou para a Bahia", e foi a última vez que ouvi algo dela.
Eu lembrei da música do Cazuza, "hoje acordei com sono, sem vontade de acordar, o meu amor foi embora, e só deixou pra mim um bilhetinho, todo azul, com seus garranchos, que dizia assim, chuchu vou me mandar, é eu vou PRA BAHIA, talvez volte qualquer dia".
E não sei se ela voltou - não sei nem se ela foi. O certo é que por um minuto eu desejei ter sido franzino pelo resto da vida. E de rosto redondo como a lua - travesseiro dos meus braços.