30 novembro, 2001

Licença para amargar

Volta e meia ela acordava assim, amargurada. Fazia um café bem forte e bebia sem açúcar mesmo, com um cigarro para acompanhar. Ligava o som e punha uma música triste. Calada, ouvia e pensava. Às vezes batucava com os dedos na mesa e olhava ao redor, tentando achar algo para ler enquanto a hora não passava. Avistava uma revista velha no canto da sala, mas tinha preguiça de levantar-se para buscá-la. Inerte e por já haver mesmo lido, desistia. O bloco de papel estava mais próximo. Esticava o braço para pegá-lo. A caneta estava sempre sobre a mesa. Escrevia com sua letra de caligrafia feia palavras soltas: pipa, tucano, viagem, irmã, papel, árvore, aro, arco-iris. Café amargo. Vida amarga. Desenhava, rabiscava flores e escrevia inúmeras vezes seu nome como a certificar-se de que era ela mesma, fumando e tomando café, que estava a sentir tais coisas.