22 novembro, 2001

Dezembro
O texto da Alessandra sobre o fim de ano me trouxe de volta quase todos os dezembros de minha vida. Nem poderia chamar de tristeza, a sensação, mas é algo como o Adeus ao Nunca de que falava meu tio, com os olhos baços e distantes, toda vez que ouvia a maravilhosa música "Across the universe", dos Beatles. Não sei também se é um sentimento exatamente de perda - é algo maior, que parece só ter cura com algum outro sentimento forte. Talvez algum sentimento que a gente ganha passeando na Lagoa Rodrigo de Freitas numa noite quente.
Mas lembro de dezembro e do jogo Batalha Naval, da Glasslite. Eu abrindo de dia, e já brincando, fascinado - por que nunca mais fiquei tão fascinado? Dezembro, o calor, e o ficar no pôr-do-sol depois de um dia inteiro de praia, deixando o sal ficar de vez no corpo. Época boa, de rever parentes e amigos diferentes a cada semana, todos os dias chegava alguém, visitando, às vezes indo embora antes do Natal, às vezes ficando para o Ano Novo. Me lembro também das rádios, em 1980, 1981, tocando "happy Xmas" , do Lennon - ele tinha morrido, naquele 8 de dezembro de 1980. Uma música maravilhosa também, que parecia trazer a esperança mais vital de uma criança, que é a de nunca crescer. Vã esperança.
A vida sendo reconstruída em diversos cantos e níveis, gente que passava de ano, passava no vestibular, casava, noivava, festejava a vida - era o cenário do mês de dezembro. Lojas cheias? Sim, mas menos oferta de produtos, tinha para todos, mas nós tínhamos mais ou menos os mesmos brinquedos, independente de moda ou não. Todo mundo tinha Forte Apache, e que ninguém venha me dizer que já houve moda de Forte Apache.
E dezembro me lembra os mortos. Meu pai, meus avós, dois tios, um primo mais velho, todos mortos, em volta da mesa, brincando de passar os talheres e copos enquando cantam "Escravos de Jó/jogavam cachangá". Eles se foram, e eu fiquei aqui, para ver quantos dezembros mais durará meu ceticismo.