22 novembro, 2001

Caleidoscópio

A frustração era minha.
Vi um menino magro sentado num capô de um carro vermelho e moderno, próximo a um campo de futebol, brincando com um caleidoscópio. Girava em pequenos movimentos o instrumento cilíndrico e parecia que suas emoções rodopiavam no mesmo ritmo dos fragmentos móveis de vidro colorido do fundo do caleidoscópio. De longe, eu imaginava as imagens.
Os outros garotos jogavam bola e gritavam, mas o menino de corpo esguio mudava as caretas e não largava seu objeto de admiração. Encostei-me a seu lado tentando uma aproximação e arrisquei perguntar, fingindo desconhecer o instrumento, o que era aquilo que ele tanto olhava.
- É um tubinho que muda as paisagens lá dentro – respondeu-me, sem dar muita atenção.
Estranho como situações comuns nos deixam, por vezes, sem graça. Senti-me mais infantil que o menino e tão pequena por tentá-lo enganar, sem nem ter mais o que comentar. Olhei para o prédio em frente, de onde aguardava, ansiosa, a saída de uma amiga. Quando ia ensaiar um “tchau” para o garoto e mudar de lugar por estar em absoluto desconforto frente a uma criança que sequer notara minha presença, ouvi a oferta:
-Quer dar uma olhadinha? Mas tem que ser rápido.
-Claro – aceitei e espiei rápido, pois percebi seu medo ao me oferecer seu “tesouro”, como se meus olhos fossem capazes de roubar aquelas criações que tanto o fascinavam.
Devolvi o objeto àquelas mãos puras e finas compartilhando sua alegria com um sorriso. O retorno veio num olhar brilhante de quem veria muito mais lugares e coisas especiais como naquele momento. Minha frustração ganhava uma solução: olhar um caleidoscópio é sempre olhar o novo. E eu acabara de conseguir escrever na mente estas linhas sobre o caleidoscópio que me é a vida.