03 novembro, 2001

Albinoni e a tristeza infinita
Este sábado está se revelando um dia para meditação profunda, que para mim é a verdadeira busca física do eliminar de sentimentos. Uma limpeza das feridas da alma. Meditar, envolvido em som, é fundamental para se reerguer, seja depois de uma noite de caipirinhas de lima (como foi a minha), seja depois de alguma decepção.
O dia, nublado, quieto, sem gritos de vizinha ou sonhos de namorada. Televisões desligadas, por enquanto - isso é muito saudável para a mente, nada dos ideais de vida, estilos, tipos físicos perfeitos, nada da falsa perfeição que a televisão prega, que acaba por nos tirar completamente a concentração e a nossa própria noção de finitude. Vemos televisão, esquecemos da morte, e assim deixamos de lado a imensa responsabilidade com nós mesmos.
No CD player, comecei com um dos mais perfeitos discos de toda a história da música: Elis e Tom. Incomparável, algo que nos faz ter crença mais forte em um poder superior. Para se ouvir num som bom (como o meu), estéreo, com todos os agudos, graves, pianos dissonantes e baixos insistentes a que se tem direito.
Depois, sigo com o Concerto para Clarineta de Mozart. Uma porrada. Os olhos ficam úmidos. Mas só úmidos, porque molhado mesmo é na Suite N. 3 - Aria, de Bach. Sempre, sempre. Aí, arremato com o Adagio de Albinoni, que ao lado do Adagietto de Mahler faz a dupla de músicas mais melancólicas sobre a aventura humana no planeta. Ambas as músicas "falam" de morte, de amor, de tristeza, do despropósito carnal, da fé espiritual, da absoluta falta de sentido.
O Adagio de Albinoni parece ser a música da infinita tristeza, a única trilha sonora capaz de reunir no mesmo sonho um parto e um velório.
Nada mais triste do que ver um bebê recém-nascido em um velório. E contemplar a distância enorme entre ele e aquele que está dentro do caixão.
Mas quando se fala de morte, se fala do tempo, e de amores ao longo deste, e quando se fala de tempo e de amor, se fala da fé, que para mim é em essência o sustentáculo humano.
Alguém perguntará, "Fé em Deus?", e eu direi, sim e não, "sim" porque é também fé, "não" porque eu não entendo de Deus e morte.
Só entendo que Albinoni trata minha alma como carne de segunda. Muita, mas muita porrada.