Verdades que matam
O ótimo canal GNT passou o documentário "Al-Jazzeera, a voz da nação árabe", uma produção francesa de abril do ano passado, sobre a emissora de TV localizada em Doha, no Qatar (cidade onde mora hoje o atacante Romário). Tecnicamente, não é um grande documentário, porque falta a dramaticidade que o tema exigiria. Mas é imperdível pelos fatos curiosos que são mostrados, e pela possibilidade de vermos com clareza o "outro lado" (uma vez que nós estamos, em termos de espectro ideológico, do lado dos israelenses, pois só recebemos a informação pelo lado deles).
A publicidade árabe é muito engraçada: não se enganem, aparece, por exemplo, uma propaganda da Pumper´s (isso, a fralda), onde a mulher está de véu e o homem de turbante, com as crianças brincando com areia do deserto. O homem pergunta com voz autoritária se não é hora de levar a criança embora, a mãe mostra a Pumper´s e diz que o gel permite aos pequerruchos toda a cagança e mijança que eles quiserem no espaço de uma hora.
A Al-Jazzeera nasceu em 1996, com ajuda do emir do Qatar. Ele botou uma grana, mas a rede cresceu e hoje é a TV Globo dos "de turbante" (como diz o dono da birosca). Eles admitem abertamente que procuram apresentar as notícias do ponto de vista árabe - ao anunciarem, por exemplo, que em um amistoso preparatório para a Copa, a Dinamarca bateu Israel por 3 a 1, destacam que um membro da torcida desfraldou uma bandeira palestina, como solidariedade às vítimas do constante massacre diário".
Uma das melhores repórteres da Al-Jazzeera é palestina.Uma das matérias dela mostra, ao vivo, estudantes de uma universidade palestina saindo presos, conduzidos por soldados israelenses. "Não fizemos nada, eles entraram, destruíram nossos computadores e rasgaram nossos livros". A repórter dá o seguinte depoimento para a TV francesa: "Eu não sei se eu serei mais jornalista ou mais palestina".
Na redação, uma sub-editora reclama com o chefe imediato, dizendo que a TV colocou o depoimento de um dos suicidas de 11 de setembro em um horário impróprio. "Não há horário impróprio, temos uma informação e temos que levá-la. Aquilo não vai fazer com que a imagem dos árabes piores, porque deixar de exibir o terrorista também não iria melhorar. Mas é preciso mostrar que é assim, há muçulmanos que morrem e há muçulmanos que matam". Interessante, a justificativa para a edição da matéria.
No final, a TV francesa leva um esculacho do apresentador de um talk-show da Al-Jazzeera: "Vocês franceses vivem acusando nós árabes de sermos racistas, ao lidar com os judeus. Mas colocaram o Jean Marie Le-Pen no segundo turno, ora, que é muito mais racista do que qualquer um de nós. Arrumem a casa de vocês antes de falar de nós", diz o cara. E eu tive a impressão de que ele falou alguma coisa em árabe que queria dizer "Nem gol vocês fazem na Copa, seus merdas". Sei lá.
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