14 junho, 2002

A nuvem preta
Ela voltou, ela voltou.
Não vive sem mim, essa nuvem preta que me acompanha.
Não gosto de ficar desabafando aqui, mas parece que tudo em mim desemboca nas letras, nas frases. Desconfio que existe, dentro de mim, um escorrega por onde eu desço, por vezes suavemente, outras tantas de cabeça para baixo, em pé feito criança, gritando, brincando, de todo jeito, e que termina no embaralhar dessas letras.
Também o meu desabafo desce rápido nesse brinquedo e por desleixo caio de bunda. Também porque a voz, em certas ocasiões, é insuficiente. Poderia escrever um texto longo, xingar todos os que eu tenho vontade de xingar, extravasar minha raiva até diluir esse bolo medonho que me engasga, provocando lágrimas e mandar tudo pro inferno, só para não usar palavrão (embora nessas horas eles sejam fundamentais), quietinha, no teclar silencioso desse computador, depois mandar imprimir tudo em arial black bold corpo 22 e rasgar tudo em picadinhos e tornar a imprimir e rasgar, imprimir e rasgar, imprimir e rasgar. E continuar a fazer esse movimento de ida e volta que não me deixa sair do lugar, de pessoas que dão um passo a frente, mas assustadas, dão outro para trás. A receita é para cada passo dado a frente, um pra trás, e assim o tempo vai se consumindo, sem que o futuro venha, aquele futuro bonito e colorido que a gente deseja, aniquilando junto os nossos sonhos, a nossa alma e a nossa força de mudança, numa espera eterna e frustrada. A minha força não esgotou-se, mas me tornou velha senhora aos trinta anos; velha para decidir que não tenho mais tempo pra ser infeliz, velha para decidir que se essa nuvem preta cismar em me seguir será ela que terá que aturar a minha alegria, e não eu o seu destempero e cinzento horror pela vida. Que ela chore, não eu. Porque eu sei que não adianta chorar, que problemas existem à proporção da fome, mas os meus sensores não sabem, me traem, e não fui criada como uma heroína capaz de controlar os meus sentimentos. E é só por isso que eu choro, por não ser uma heroína. Se me sinto melhor? O deslizar desse desabafo dá um leve desaperto no coração mas não soluciona nada, eu sei. Mas escrever sempre vale um sorriso. Bom fim de semana.