29 abril, 2002

À luz de velas

Ela estava escrevendo à luz de velas. Depois de muito tempo, faltava luz na sua casa. À princípio, ficara assustada. Procurou as velas, tateando os armários na escuridão. Sentou-se e não achou nada melhor a fazer, a não ser escrever. Cartas que nunca seriam enviadas. Em uma delas escreveu dez vezes a palavra amor, mas nem o amava tanto assim. Numa outra, escrita para um homem por quem sentia um amor platônico, preencheu inúmeras páginas com palavras melosas, mas era só o que conseguiria dizer. A fumaça do cigarro interrompeu-a mas ela já não tinha mais nada a dizer mesmo. Então imaginou que aquele cenário estava vazio demais. E dançou sozinha feito louca, cantando desentoada qualquer música, como o ensinara uma vez aquele homem por quem nutria aquele amor platônico. Imaginou uma criança fazendo algazarra no meio da sala e ela dizendo ei, menino, não brinque com a vela. Esse pensamento apenas tornou-a leve e ela fez, com as mãos, sombras na parede, de pássaros, borboletas, olhos e outras coisas que lembrava fazer, quando criança, usando a luz do projetor de slides do seu pai.
Mas a luz voltou trazendo-a de volta para a realidade de sua sala iluminada e festiva. As cores voltaram a estar presentes. O som que estava ligado antes da queda de luz voltou a tocar o CD dos Beatles e a música “Love me do”. Se a primeira música do CD fosse outra ela se lembraria dele outra vez e choraria, porque sabia que ele era como uma bela canção. E que isso era muito.
Passaram todos esses pensamentos e sentimentos e ela não precisava mais ligar para ninguém, nem viver a solidão sadia que aquele escuro trouxe. A criatividade irônica daquela ocasião de isolamento esvaiu-se com o segundo em que tudo iluminou-se.