27 abril, 2002

Um projeto de livro
Como poucas pessoas sabem, estou escrevendo um livro, que poderá se chamar algumacoisa.com. Abaixo está um capítulo diferente do livro, todo de textinhos curtos, que intitulei de "Pequenos contos de desamor". Vejam se têm padrão para ser livro. Opinem, critiquem. Metam a porrada.

PEQUENOS CONTOS DO DESAMOR


O homem livre

Sumiu por uns dias. Reapareceu exultante. "Fiz a operação", ele disse. Os amigos, cercando-o, "que operação?", e ele, "tirei, meus camaradas, tirei", e os amigos, "tirou o que?", e ele, "o hipotálamo. acabou esse negócio de desejo, tesão".
No início as amigas acharam triste aquela cirurgia, mas reconheceram diante dos amigos que não sabiam como fazer para fazê-lo voltar atrás.
"Não tem como, eles extirpam e jogam fora. A essa altura, já tem cachorro comendo".
O sobrinho de uma das amigas, de cinco anos, achou que ele tinha tirado o hipopótamo da cabeça. Aquele garoto viveria com esse pensamento terrível na cabeça por alguns anos.
Décadas depois, já crescido, ele saiu com a mulher com quem se casara e riu sem querer ao ver um hipopótamo.
O outro que operara, viveu este mesmo tempo todo, tristemente, feliz.

***

De mãos dadas

A obsessão pelas mãos de mulher era compreensível, até certo ponto. Afinal, vinha de uma família de mulheres lindas: irmãs, primas, mãe, tias. Aprendera a ter senso estético e principalmente aprendeu que as mãos mais lindas de mulheres são aquelas magras, compridas, nas quais aparece sim uma parte do osso.
Só que começou a chorar porque via o medo das mulheres, ele queria pegar as mãos, mas elas não cediam por saberem que assim ele gozava. Não no momento em que tocava nelas, mas gozava em casa.
Ele mesmo contou um dia, bêbado.
Aí as mulheres passaram a não mais deixar ele segurar as mãos na rua, andando, na calçada, pois entenderam que ele tinha tesão.
E tesão não pode.

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Leaving ou Despedida

Ouvia os fogos de artifício, mas já não sabia se era Ano Novo ou se simplesmente era seu suicídio. O cigarro tinha gosto de cigarro passado, de ontem. Ela estava na sua frente, com outro. E queria que ele achasse tudo natural. "Somos amigos", ela disse, enquanto pisava rápido na areia de Copacabana.
Não, o Ano não é Novo. Aliás, sim, é Novo, mas depois desta noite, o que eu iria conseguir fazer com um ano novinho em folha?
Quando ele estava pensando em tudo isso, viu um negro que vendia colares luminosos. O negro estava sozinho. Como o livro ou the book estava em cima da mesa ou on the table. Sozinho, vendendo seus colares.
Nenhum dos dois saberia dizer quem terminaria a noite mais feliz. Talvez o negro dos colares, se vendesse oito. Ou cinco.

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A maior ereção do mundo


Começou falando sobre beijo no ICQ, com uma amiga distante, que era apenas amiga, só isso, mas ele cinicamente pensava em foder com ela, mas a moça não passava recibo. Começou a descrever minuciosamente como ele acha que deveria ser um beijo, mas ele era tão cínico que era cínico consigo, e fingia não estar com tesão. Teve uma surpresa, levantou-se para ir ao banheiro e quando tirou o pau para fora da bermuda de pijama viu que ele estava terrivelmente duro. No minuto seguinte, cresceu mais um pouco. E mais.
Ficou olhando para o pau por uns cinco minutos, pensando na completa sandice que era viver procurando onde meter aquele pedaço de carne. Olhou então para a própria carne, já envelhecendo. Pensou no que poderia acontecer com os pêlos dos cílios depois que morresse e o corpo começasse a apodrecer dentro do caixão.
Pensou em quanto deve ser difícil ser um mendigo sujo e ter que enfiar o pau duro sabe-se lá aonde. Em uma fruta podre e macia, talvez.
Pensou em tudo isso, e o pau cresceu ainda mais. Ficou mais duro. E decidiu que tocaria punheta para tentar diminuir. Gozou, sujou o chão do banheiro, mas não limpou. Continuava de pau duro e era preciso mais. E mais. E mais. E mais. E mais.
Olhou para um cartaz lá fora, e achou que tinha lido em algum lugar próximo a um out-door da Coca-Cola, "só o amor constrói".

***

Romance

Ela disse, "nem sempre o que a gente mais gosta é o que a gente sabe fazer melhor", ele respondeu que não sabia do que ela falava, ela respondeu que tinha lido em algum velho livro de Carlos Castañeda, ele sorriu e a beijou colocando a língua, a ponta da língua, nos dentes da frente e de cima da boca da moça.
Uns 18 anos depois, ele suspirou triste ao lembrar desse momento, tinha sido um dos que ele guardou, e nem mesmo sua memória é capaz de entender porquê.
A uns quilômetros dali, ela, com outro, já não sabia quem era Carlos Castañeda.

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O homem magro

Todo canalha seria magro, segundo Nelson Rodrigues. Mas ele não era canalha e perdia dois quilos por dia. Ele não lembra quando começou, só sabe que se viciou em emagrecer. Começou quando tinha duzentos quilos.
Um dia, iria desaparecer, mas contra sua vontade. Ou melhor, lembraria, um minuto antes, que quando tinha duzentos quilos sonhara em desaparecer um dia, para sempre.
Na noite em que sonhou isso, acordou aliviado no meio da noite, arrastou a banha até a cozinha e bebeu água. Um litro. Vomitou, e começou a emagrecer naquele mesmo momento.
Os amigos, perguntando por ele, ninguém sabia. Ele definhando, encostado à porta do banheiro.
E pensou que a única saída para quem sofre é a mudança.
Todo mundo pensando isso.
E ele emagrecendo.
Até que um dia, já quando tinha algo em torno de 19 quilos, se levantou. Foi cambaleando até a cozinha, pegou a foto rasgada de seu amor.
E se desmanchou.

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Mulheres e meninas

Escreveu para o desconhecido que parecia bom. "Por que todos os homens interessantes na internet são feios?", ela pensava, mas tendo esperança de que aquele, pelo jeito que falava, fosse bom. Se encontraram - ele não era bom não. Mas era legal.
Os dois dançaram, ela rindo, ele à vontade.
Ele sabia muito bem que ele não era bom. Ela às vezes se esquecia disso.
Beberam, riram, viram um show de blues.
No final, brincaram um com o outro, "esse negócio de conhecer gente pela internet não dá certo" (estavam tão bêbados que não lembram quem falou), e logo depois ela riu e disse, "ah, se você fosse diferente", disse meio sem querer.
Ele riu, porque já estava acostumado, era só mais uma a pensar assim. E foi embora, apenas meio feliz. Ela foi para casa.
Ela abriu a geladeira e achou que um chocolate bastava para quem iria dormir sozinha.

*****
Máquinas

"Hoje eu quero beijar na boca", disse ele, para uma de suas melhores amigas. Ela, cúmplice até certo ponto, riu. "Quem vai ser a vítima?", disse, rindo, fazendo uma brincadeira com fundo de verdade.
Ele riu e não quis falar, ela perguntou se iriam no lugar de sempre. Ele ficou sério e mexeu a cabeça negativamente.
"Mas então onde você vai beijar boca", ela perguntou.
"No puteiro", ele disse, normalmente.
"Hã?", ela perguntou, sem acreditar. "Mas por quê?", ela insistiu.
"Ora, quero só beijar boca. Além de no puteiro ser mais fácil do que naquele lugar que vocês mulheres freqüentam, ainda tenho a vantagem: lá elas são pagas e treinadas para dar beijo na boca. Posso saciar minha vontade física sem machucar o coração de ninguém", ele disse, com um racionalismo frio e desprezível.
"Não sou mulher", ele acrescentou.
"Mas as putas são", ela pensou, mas não quis falar porque estava mais ocupada em abrir a embalagem do cigarro.