04 janeiro, 2002

CERTEZAS

Ontem senti uma sensação estranha, de tristeza. Era só uma impressão, porque não existia em mim nenhuma razão para estar triste, mas, ao mesmo tempo, senti vontade de chorar. Pensei nas impossibilidades da vida e nas certezas que não existem. Nas pessoas que acham que conquistaram muito e estagnaram. Em mim, que alguma coisa conquistei. E, para piorar, cuidei de manter o meu desânimo. Pensei ainda nos amores e desamores, nas entregas e nos vícios, nas infantilidades e nas observações.
Certezas. Não tenho convicção de nada. Não há estabilidade em nada. Não existe estar “com os pés no chão”. Até o solo está sujeito à terremotos e erupções vulcânicas. Não há certezas e isso me deixa tão precária. Queria estar confiante de que há um futuro promissor. O porvir é sempre esperançoso. E eu quero muito o futuro. Bem devagar, lá longe, como se fosse uma linha no horizonte estática que eu observe (e teria que ser calada). Importante também nunca chegar lá, não ser capaz de pegar meu barco e ir até ele e, então, esperar sob o sol de cada dia, vibrando com cada nuvem, mudando o meu modo de admirar a linha do horizonte e torcer para que um dia eu consiga dizer assim: puxa, o futuro é hoje. Talvez isso só aconteça quando eu estiver certa de alguma coisa. Dois e dois são quatro.
De repente, tudo poderá se misturar nos pensamentos da minha velhice. Quem sabe o sorriso branco e descrente da minha juventude que se julgava imortal continue a combinar com o grisalho dos meus cabelos e eu jure que o tempo não passou e que as rugas nos meus olhos foram bem vindas. Serei. É tão gostoso pensar isso. Mas poderei estar escrevendo, ainda, sobre outras coisas mais simples e emergenciais do momento, que poderá ser a osteoporose, os intermináveis exames, um novo remédio lançado, a fila nos bancos logo cedo, os jogos de cartas humm...a modernidade/tecnologia da minha velhice será de fácil assimilação (talvez até lá eu consiga mexer no controle remoto da tv da casa da minha mãe e no vídeo também). Que bom. Talvez falte carne e eu reclame dos preços altos. Mas talvez eu vire vegetariana.
O que essa incerteza me traz é só um pouco de ansiedade. Subitamente, as palavras começam a borbulhar frescas como uvas verdes de ano novo e eu descubro contente que frutas são ótimas metáforas para textos açucarados e sentimentais como os meus. Estou tão embaraçada, parece até que existe um espírito insano psicografando idéias absurdas e chego a me lembrar, com cinismo e total despropósito no momento, de uma modelo que confundiu luxo com luxúria (e lembro que quase fiz algo parecido uma outra vez, mas não conto).
Gatafunhar é o mesmo que rabiscar - li no dicionário outro dia sem querer enquanto procurava o significado de uma outra palavra que por causa dessa até esqueci qual era. Existem palavras feias. Gostaria de ter certeza dos termos que deveria usar para dizer o que quero. Quereria também usar os verbos no futuro do pretérito (?) e me impregnar dessa gramática que já esqueci faz tempo.
Quereria, gostaria, desejaria ter certezas.
Queria, gostava e desejava certezas.
Quis, gostei e desejei com certeza.
Passarei. Futuro de um pretérito perfeito. Fim.
Passava. Pretérito imperfeito. Fim.
Não gostei do que escrevi. E daí? (ao menos uma certeza).