A Casa Brasileira do Futebol
Gustavo de Almeida
A câmera oculta mostra uma enorme barriga, a água com o sabonete desliza, mas a sujeira permanece. Um gordo deputado sai, se enxuga, pega o óculos em cima da pia e resmunga palavras incompreensíveis. Algo como "CPI é o (piiiiiiiii). Sobem os créditos, começa a Casa Brasileira do Futebol, o maior sucesso de público em 2002.
O gordo deputado vai para a sala e encontra o presidente rubro-negro. Este se retira, dizendo, "Ricão, olha a câmera, na frente da câmera não", e vai para o banheiro e tranca a porta.
Pelo corredor, dá para ver a ex-secretária do ex-técnico da seleção, passando de roupinhas sumárias, tampando o dedo com o nariz e dizendo, "hmmmmm...que cheiro ruim...quem é que tá no banheiro?".
Na sala, em volta da TV onde passam os piores lances do Campeonato Brasileiro, os participantes respondem:
- AH!, é Edmundo! AH!, é Edmundo! Ah!, é Edmundo!
Distraído, o craque que ama o time do deputado se vira:
- É comigo?
Todo mundo responde, "dessa vez, não". Um outro com sobrenome de laticínio responde, "é teu xará que tá fazendo no banheiro o que faz no clube", todo mundo ri. Mas há um fundo de seriedade. Quem vai ser eliminado?
O ex-amigo do Rei já diz: "Tem que sair o negão, ele que toma o leite das crianças. Ou melhor, dos niños". Alguém pergunta, "O Taiguara?", e a ex-secretária do ex-técnico responde, "Não, aquele outro, o Rei, manja", e esse alguém entende.
Há quem defenda que o ex-genro do chefão deveria sair. "Ele anda mal de saúde", replica o eterno ídolo rubro-negro. "Se anda mal de saúde, não devia ficar aqui querendo administrar, já fez a maior lambança na cozinha e ainda derramou tudo no sofá da sala. Ainda bem que ele já jogou fora o sofá, para evitar que façam (piiiiiiiii)" .
De repente, entra na sala o churrasqueiro, perguntando se alguém tem um matador. "Serve o Baixinho?", e o gauchão, "Não, esse tá vacilando, tchê", e a mesma pessoa que sugeriu - o paulista que manda na área dele - conserta o erro: "Não, estou falando do interino lá da Rua da Alfândega, aquele que é prefeito", e o gaúcho, "Esse não é matador. Cão que ladra num morde", e a discussão fica bizantina. O paulistão que manda na área dele diz que vai bancar o churrasco do pessoal. Mas para pagar a conta, dá um cheque nominal para ele mesmo. "Assim não vale, o que a gente fará?". "O que a gente fará eu não sei, temos que votar quem sai da Casa ainda hoje", diz o deputado gordo. E se volta para o paulista: "O que você, fará?"
As câmeras ocultas se voltam para o quarto pintado de preto e vermelho. Um craque dos Balcãs está deitado lendo "Como fazer amigos e influenciar pessoas", enquanto dois baianos dividem um beliche. Ninguém se fala no quarto. "Será que cai?", pergunta o baiano de bigodinho na cama de cima. "Não, no final a gente impõe nosso futebol e permanece na primeira", responde o baiano baixinho. "Tou falando da cama, p (piiiiii) !!!!" , devolve o de bigodinho.
Nisso, entra o pessoal vestido de azul, para fazer a limpeza da casa. "A gente não participa muito não, toda hora querem que a gente saia, principalmente aquele lá paulista de bigode. O que a gente fará se ele expulsar a gente de novo?", pergunta o mais baixinho deles, olhando propositadamente para a câmera oculta. "Ah, sei lá o que a gente fará. Bola pra frente, ué. Querendo ou não, ele não nos fará mal. Fará?".
Subitamente, um estrondo. "O que foi isso que caiu?", pergunta o gaúcho churrasqueiro, e o eterno ídolo em vermelho e preto responde, "Eu não quero nem ver o que foi que caiu...pelo barulho, deve ser time grande..."
O gaúcho, que é o fortão da casa, e quem seleciona o pessoal na pelada perto da piscina, vai ver o que foi. E volta. "Bá, tchê, esse barulho foi a gente caindo no ranking". De repente, alguém põe um disco de tango. "Tirem essa m (piiiiiiiii)", grita o gauchão. O ex-técnico sorri ao lado, e dá uma piscadinha para a câmera. "No meu tempo a música foi outra...". O gauchão olha pra ele e manda, "bá, tchê, tás falando o quê? no teu tempo a música foi a do Jornal Nacional, bagual, te derrubaram!"
O gordo deputado começa a bater na porta do banheiro, de onde sai cheiro. "O que que tu tá fazendo aí dentro, rapaz?", pergunta, para o presidente rubro-negro. Lá de dentro vem a resposta, "Assuntos daqui de dentro só interessam aqui dentro", e o gordo deputado fica p (piiiii) da vida. "Essa frase é minha, rapaz!".
Chega o grande momento, de decidir quem vai sair da casa. O homem do baú e os da emissora platinada se reúnem em um pool para ajudar na votação. "Estão certos disso?", pergunta. O gordo deputado diz que sim, e entra na sala com a camisa mostrando o logotipo da TV do baú. Nisso, um enorme grupo de pessoas irrompe no corredor, todos carregando almofadas com escudos de clubes, megafones, bonés e bandeiras.
"Quem são vocês?" - pergunta o paulista que manda na área dele.
"Somos pessoas que vocês nunca viram", responde o rapaz que está na frente, já abrindo a porta da casa meio indignado.
"Pssiu, acho que eu sei quem são", diz o presidente rubro-negro, para o gordo deputado, de quem já se tornou grande amigo.
"Não!", responde o deputado.
"Sim, é incrível mas eles estavam aqui", diz o presidente.
"Você quer dizer..."
"Sim....são....TORCEDORES. Eu nem tinha pensado neles antes", diz o rubro-negro.
O mais enfezado deles diz, olhando para a câmera que leva imagem para o pessoal da TV platinada e do homem do baú:
"Não precisam tirar ninguém da casa. A gente é que vai embora! Isso aqui tá cheirando mal"
Todos se entreolham. Alguns gritam, "Ah, é Edmundo! Ah, é Edmundo!"
O craque animal ainda bota a mão no peito como a dizer "eu?", mas desiste.
"E agora?....", pergunta o paulista.
"Ah, sei lá, (piiiiiii)", responde o dono da casa do futebol.
O último torcedor se retira e antes de bater a porta, ainda diz:
"E tem mais: fim de semana vamos alugar filmes na locadora. Nem adianto que eu não pago mais pra ver!"
Nisso, Alexandre Frota mexe a cabeça pros lados em sinal de reprovação, olhando pros que ficaram na casa:
"Muita marra, brother, muita marra de vocês..."
Sobem os créditos. Se é que ainda há.
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