23 outubro, 2001

tchan tchan tchan tchan
Após longas negociações com o inspirado Gustavo de Almeida, eis que consigo participar desse blog sobre o nada.
Ok. Não é o nada. Porque inspiração, para muitas pessoas, é quase tudo.

INSPIRAÇÃO

Tinha certeza que isso aconteceria! Acordei raivosa, impiedosa comigo mesma. Quem está dentro de mim, dizendo-me para esquecer minha maior paixão? Quando uma inspiração surge, não posso ser ingênua e acreditar que irei guardá-la para executá-la mais tarde ou no dia seguinte. Pouco importa o que eu estivesse fazendo, com certeza era menos real e importante do que a minha inspiração! Deixei-a partir, como o canário que fugiu da minha gaiola há dois dias. Observei-a esquivar-se, escorrer por entre meus dedos, como simples água corrente. Permiti que se escondesse de mim dentro de mim mesma. Tive a fé - e toda fé nos engana - de que meu cérebro me ajudaria a lembrar-me, hoje, daquela idéia única e sólida que tanto inspirou-me ontem. Se não posso confiar na minha memória, em quem mais creditarei minha confiança?
Andarei, a partir de hoje, com um bloco de anotações e uma caneta. Talvez também adote um gravador, daqueles pequeninos. Inútil tentar me excluir do grupo de desmemoriados, assoladores da nossa convivência, se ajo dessa maneira, colocando minha divina e idolatrada inspiração para dormir, como se ela viesse me acordar novamente ao raiar do sol todos os dias!
Se hoje escrevo sobre inspiração é por não tê-la encontrado, mesmo que tenha passado ao meu lado. Pior: é pensar que a dispensei, ignorando meu prazer de vê-la me fazer trabalhar, como uma seta a impulsionar-me e não o contrário, exigindo tantos movimentos no teclado, rápidos como o meu pensamento, para acertar alvos invisíveis, preencher lacunas da minha criatividade, fazendo-me capaz de inspirar-te e de acabar um pensamento que comecei há três meses, quando fui por ela flechada.
Passando o tormento da não-inspiração vem a lentidão e alguns momentos de sofreguidão, responsáveis por transformar qualquer tentativa de dissertação em uma conspiração com todas as palavras terminando em “ão”. É o momento de pontuar o final. Parar para pensar no nada. Aguardar outra visita espontânea e inoportuna da inspiração, só para confirmar que mais cedo ou mais tarde aparecerá.


Ufa.