24 outubro, 2001

MÚSICA & MÚSICAParei tudo o que estava fazendo para me lembrar daquela que foi a minha primeira música. Relembrei, cantarolei. Não existe. Foram várias. Cada época, uma música. Meu primeiro contato musical aconteceu com os discos do Sítio do Pica-Pau Amarelo e dos Saltimbancos. Outros haviam, divertidos, coloridos e infantis, entretanto, nenhum que eu ainda saiba cantar e seja tão atemporal, por isso não os cito. As letras das canções de “Construção”, por Chico Buarque e “Domingo no Parque”, Gilberto Gil, na minha jovem cabeça de 12 anos criavam fantasias e imagens fantásticas. Eu seguia um ritual quase paranóico. Pegava minha vitrolinha vermelha, sim, eu quase todos nós tínhamos uma vitrolinha, fechava a porta do quarto e punha o disco para rodar. Estava lá, eu deitada no chão do quarto imaginando como seriam o José e a Juliana. E como seria morrer na contramão como um pacote flácido num mundo em que, para mim, àquela idade, ainda não machucava, embora meus joelhos fossem todos esfolados. A manhã passava e minha mãe gritava lá debaixo que o almoço estava pronto.
Eu pouco sabia inglês, talvez por isso tenha eleito “Imagine” a melhor canção em um determinado período, pela simplicidade da letra, na compreensão e no desejo. Talvez eu prefira falar sobre o primeiro livro. Porque quase me vejo a definir fases da minha vida, do rock ao clássico. Na adolescência eu gostava de rock e de todo o lixo que tocava nas rádios de locutores escandalosos pelo menos umas vinte vezes por dia. Quando eu dei meu primeiro beijo, nem lembro o que tocava. Preciso valorizar quem merece: meu pai e meu irmão cultivavam um interesse ingênuo pela música. Isso, de certa forma, é contagioso. É preciso ter essa instância ou não se é um amante da música. O tímido prazer de ouvir o que quer que seja, de manter um primeiro contato com um som para, quem sabe, nunca mais voltar ao que se ouviu. Peneirar as criações e reinvenções. De ouvir de tudo, de buscar o tudo o que se faz de harmônico no mundo e curtir. É mais cômodo, para a grande maioria, ouvir o último CD da banda conhecida. Ou as 10 mais tocadas da rádio. Ou parar no tempo, como eu, e viciar seu aparelho de som a tocar os mesmos discos durante algum tempo. Faço assim porque tenho consciência de que não conheço música e gosto, à exaustão, de algumas. E não porque eu sou 50% surda (permito o riso, aqui), mas porque não tive este interesse ingênuo e quase sacro pela música. Também não me sentiria à vontade para contar como um amor impôs o erudito no meu gosto musical e, felizmente, foi tudo o que restou dele – daquele amor. Equivaleria a assumir que eu era uma ouvinte estúpida e pouco impulsiva pois não tentava nada sobre as minhas preferências e escolhas: dos namorados à musica. Hoje tento, embora saiba da minha ignorância, porém não tenho pressa. Há muito o que ouvir, namorando ou não.