09 março, 2003

Zico
Acordar em um domingo e dar de cara com o suplemento especial de O Globo sobre os 50 anos do maior jogador da história do Flamengo não é tarefa fácil. Emoções demais, ao ver a retrospectiva muito bem engendrada pelo jornalista Fellipe Awi, obviamente rubro-negro de coração. Ver aquelas fotos que eu via aos sete, oito anos de idade, do Zicão em um campo de terra batida na Rua Lucinda Barbosa, em Quintino (terra de onde vem minha namorada, que atualmente reside em Copa - o destino, o destino), é algo que enche meus olhos de lágrimas.
Uma página é dedicada às incontáveis conquistas de Zico. São sete campeonatos cariocas, quatro Brasileiros, uma Libertadores, um Mundial Interclubes e dezenas de torneios e Copas. Sem contar um fato que se não é título tem status de: Zico provocou uma passeata em Udine, no estado italiano de Friule, no qual milhares de manifestantes pediam que ele permanecesse na Udinese - caso contrário, preferiam ser anexados à Áustria novamente.
Artilharia? Seis artilharias por Campeonatos Cariocas, duas por Brasileiros e uma vez artilheiro da Taça Libertadores da América.
Zicão representou tanto para o Flamengo que gerou uma verdadeira onda de recalque, dor-de-cotovelo e inveja - são centenas as gralhas solitárias abandonadas a grasnar a velha história do pênalti perdido contra a França, aquele pênalti que ele bateu três minutos depois de entrar em campo e fazer o que ninguém tinha feito: um lançamento perfeito.
Aquele pênalti que alguns jogadores daquela Seleção, mesmo já aquecidos e jogando desde o início, se recusaram a bater.
Zicão bateu, perdeu, como perdeu outros pelo Flamengo. Curioso é que ninguém fala mal do Sócrates, que perdeu gol feito já na prorrogação. Não existe um culpado sozinho (talvez o pobre do mau caráter Toninho Cerezo) em 1982, não existe um culpado sozinho em 1990 (apesar do gol perdido do Muller), não existe um culpado em 1974, 1978.
Só o Zicão é que o "culpado" pelo pênalti perdido.
Tudo balela. Tudo recalque de torcedores que nunca tiveram um jogador que representasse para seu clube o que Zico representou para o Flamengo. Os santistas tiveram, o Pelé. Mas e aqui no Rio? O Fluminense, apesar de ter grandes ídolos como Waldo, Castilho, Pinheiro, Altair, Washington, Assis, Branco, nenhum deles tem essa dimensão. No Vasco, Roberto Dinamite reina sozinho - o que é curioso, visto que se tratava apenas de um centroavante razoável, que hoje em dia seria banco do Ricardo Oliveira no Santos. E o Botafogo? Os torcedores mais velhos do Botafogo são mais conscientes em relação ao Zicão, porque sabem o que é ter um ídolo que é simplesmente tudo para o clube - vide Nilton Santos e Garrincha.
Só o Zicão me fez chorar em uma partida contra o Santa Cruz, quando meteu uma bola no ângulo, depois que eu e todos na arquibancada dissemos, "É Zico, pode ficar tranqüilo que é gol". Só Zico fez dois gols na final da Libertadores, final que o Flamengo ganhou na bola e na porrada. Eu tinha 12 anos, e fiquei feliz quando Anselmo entrou em campo para dar porrada na cara do Mario Soto.
Pensar no Zicão agora me remete diretamente a um dia qualquer de 1975, quando Zico tinha 21 gols (seria o artilheiro do Estadual com 30), e eu e meu pai saíamos de um Flamengo x América. Ali na descida do Maracanã (em um tempo em que não havia torcidas organizadas de bandidos), meu pai disse, "olha, esse garoto Zico, tem 21 gols, ele vai longe".
Nos anos que se seguiram, vimos Zico ir longe. Mais precisamente a partir de 1978, quando Zico pegou a bola para bater um escanteio e colocar na cabeça de Rondinelli. Ali, começavam cinco longos anos em que eu e meu velho vivemos o período mais inesquecível de minha vida, com aquele time ganhando tudo, repito, na bola e, se necessário, na porrada.
Em 1983, o Galinho, o Zicão, se despediu como poucos poderiam fazer, ganhando o Campeonato Brasileiro com um esculacho em cima do Santos do mau-caráter Serginho Chulapa. Um banho de bola no Maracanã lotado, público recorde em Brasileiros. Barba, cabelo e bigode. De lá, Zico iria para a Udinese. Nos primeiros dias de 1984, o meu velho se despediu da vida. Talvez fosse uma resposta do destino aos versos da música, "o que faço/sem Zico no Maracanã?". Sim, meu pai foi-se desta vida depois que Zico foi para a Udinese - talvez Deus o mantivesse nesse mundo por mais uns anos, se soubesse que o Galinho iria voltar para liderar o Flamengo a mais um Campeonato Brasileiro. Talvez.
A única certeza é que, estivesse ele vivo, diríamos em côro o que digo nesta manhã de domingo, lendo o suplemento especial: obrigado, Zicão.