07 dezembro, 2001

Solidão e insônia na madrugada

Pensei em descrever o que o meu gato negro sente durante um dia inteiro sozinho enquanto estou no trabalho mas sei ser inútil qualquer tentativa de discrição. Sinto vontade natural de libertá-lo do amor que sinto por ele. Quero dizer: "Vá. Brigue com os gatos mais velhos. Sinta-se como o gato que você é", e deixe-me aqui, com estas letras e esses livros insones, fingindo sentir o peso do teu corpo no meu colo. Quero que tu sejas gato, assim como eu quero ser absolutamente humana e livre nos meus sentimentos. Seu contato com o carinho tem nome, chama-se Alessandra. Tu choras, enrosca-se nas minhas pernas e reclamas a sua dor com seu miado alto e estridente. E eu me sinto culpada por prendê-lo, e esqueço as janelas abertas de propósito. Tu foges, como fogem dos sentimentos os tolos, mas voltas.
Sou uma medrosa solitária. Durante noites memoráveis, como a de hoje, penso na solidão e alegro-me nestas horas de prazer criando textos incoerentes, pouco importando se quem lerá tem um cão, o “fiel amigo do homem”. Fidelidade. Ao bem-estar, gato. Cachorro. Fico me perguntando por que conhecemos pessoas especiais que nos acentuam nossa existência de modo espetacular. Seria tão mais fácil simplesmente vivermos. Sentirmos fome, sede, irmos ao banheiro e dormirmos. Mas é preciso que o banheiro esteja de porta fechada ou que ninguém nos veja defecando. Minha nudez será castigada e rezarei para proteger-me de todo e qualquer pecado,oh! E as enfermeiras (e as pessoas que amam também) limpam as bundas sujas de cocô dos seus doentes e as outras acham isso nojento, eca, e é.
As “comidas coloridas, ervilhinhas, tomatinhos, legumezinhos, cerejinhas e frutinhas”, como li há poucos dias na “Veja especial Mulher”, ajudarão a manter-me jovem e atraente. As celulites e as rugas poderão sumir com aplicações de não sei o quê (botox?creme?) ou cirurgias plásticas mediante uma certa e alta quantia. E nos sentiremos felizes com isso, é o que dizem. Talvez tenhamos nos reduzido a pedaços de carne neuróticos vivendo entre paredes apertadas e busquemos nos animais a liberdade que um dia perdemos de sermos também carne, ora. Nossos ovários são menores do que um ovo, me disse uma amiga. Tinham vários ovários menores que um ovo nos vidros do hospital; ela viu.
Talvez tentemos curar nossa solidão e carência ao lado de seres irracionais, sejam eles felinos, caninos ou humanos. Quantas artimanhas usamos, hein?
Estou com vontade de conversar. Um livro. Eu, um ser isolado.
Que condição é esta que nos faz passar horas a escrever, a criar personagens, casos e histórias que sequer vivemos? A sociedade está me comprimindo. Não, é só impressão.
Há instinto. Trata-se do mesmo ímpeto que nos dá sede e fome, tesão e repulsa, sono e ação, criatividade e inércia, palavras e gemidos. E ainda somos seres superiores porque somos criados à semelhança divina... O que é divino senão a excelência, a perfeição? O que é perfeito? O mar. O sol. A lua. A chuva. Uma árvore. Uma flor. Um amor. Vou gastar palavras que aprendi para dizer que não sabemos. Felizmente não nos sentiremos sós. Nem miaremos escandalosamente e tristemente por uma poesia ou uma palavra que explique a solidão. Sentimos e superamos. Um carinho resolve. Fiz cafuné no gato. E cocei minha cabeça. Ouviremos música em qualquer circunstância e escreveremos. Leremos. Somos seres felizes. E, às vezes, não sabemos que somos, então ficamos mais felizes ainda.Há solidão?
Fingimos saber que somos perfeitos e ponto final.
...Ebulição...humm, então há solidão. E insônia. E outras sensações.