12 dezembro, 2001

Mulheres que um dia amamos - 5 ou 6?
Bárbara
Eu estava andando pela praia de Ponta de Areia, na Ilha de Itaparica, em Salvador, deveriam ser umas dez da noite. Achava tudo muito legal, inclusive o acordar com o sol da manhã no rosto, e o despertar imediato para o mar, tomar banho de água salgada sem nem ter bebido o café antes. Vida de rei. Mas mesmo assim faltava algo, e não era simples ou exatamente uma mulher. Faltava uma mulher com M maiúsculo.
Nessa caminhada, eis que ouço uma voz de homem me chamando de "carioca", e pedindo para eu me aproximar. Era um grupo de pessoas sentadas, em volta de alguém com um violão. Acreditem, já foi um hábito comum e até saudável. A minha opinião é que isso só é possível com todos na roda completamente bêbados, mas era o que parecia estar acontecendo ali.
O sujeito que me chamou eu nem lembro o nome, só sei que estava aos beijos e abraços, um pouco escasso até, com uma loura de cabelos de sereia que iam até o meio das costas. E sua pele era mais para o moreno. Era Bárbara, com B maiúsculo, com trocadilho batido e certidão de nascimento.
Me obrigaram a tocar violão e, pior ainda, a cantar. Nunca fui muito de fazer isso em público, mas ataquei imediatamente "Corações psicodélicos", num ritmo bem mais para o andante do que o allegro. E cantava "Eu quero VOCÊ toda nua" olhando para Bárbara.
O homem de Bárbara, talvez de sacanagem, pediu para eu tocar "Leãozinho", do Caetano Veloso, eu disse que não sabia. A partir daí, todos passaram a chamar o cara de "leãozinho". E a noite seguia, o tempo parecia estar numa redoma, me sentia em um presépio tropical onde o que nascia era o próprio Deus e não seu filho. Tudo ali tinha jeito de que nunca terminaria.
Em um momento de já não saber mais o que tocar, externei a dúvida, e ouvi de Bárbara, "pensa em mim que você toca alguma coisa". Olhei espantado, e me lembro de ter tocado "Amada Amante", do Roberto Carlos. Barra pesada. Ela sorriu enquanto todos riram. Não sabiam de nada.
O homem de Bárbara parecia estar bêbado demais. E ela começando a ficar com dor de cabeça. Ela se virou e disse, "vou levar o Leãozinho embora, tá?", e eu, "tá bom, e depois?", ela, "vou voltar aqui", e eu, incrédulo, "para quê?", e Bárbara, "Para ficar com você". Tão direta que me comoveu, me deixou sem ação - naquele momento.
Bárbara realmente voltou, e passamos uma noite inesquecível naquela redoma de tempo, abraçados, nos beijando, deitados em uma esteira. Os outros não se importavam com a estranha traição ao Leãozinho, seja lá quem fosse ou representasse para Bárbara. Estávamos apenas nos beijando, mas não algo tão descompromissado. Sabia que jamais nos veríamos novamente, sequer poderíamos ir para a cama, era aquele momento e só. Eu, do Rio, ela, de Itabuna, e assim dizíamos adeus antes mesmo de nos conhecermos, tendo as vidas tolhidas pela própria vida, separados e diferentes, separados eternamente.
No dia seguinte, não nos beijamos, mas Bárbara chorou e disse que tinha uma filha. Eu entendi o que ela quis dizer. E fui embora para um bar beber com meu tio - que já não vive mais para me lembrar daquele porre.
Quando Bárbara chorou, tocava uma música brega, talvez Rosana, e uns versos, "e as coisas que você me diz, me levam além". E não dissemos nada um para o outro.