05 novembro, 2001

Mulheres que um dia amamos - 3
Andréa
Andréa, vamos chamá-la assim - não me lembro o nome da criatura mesmo, foi uma viagem em que importaram mais as coisas do que os nomes - era repórter de suplementos do jornal O Estado de Minas. Naquela excursão a São João Del Rey - as famigeradas "fam tour" de jornalistas - ela era a única a não exibir uma postura de jornalista, de repórter, ou coisa assim. E desse mesmo jeito não deixava de demonstrar um enorme amor pelo que fazia. Mas Andréa parecia livre, e isso de certa maneira incomoda ou no mínimo faz o vizinho do lado pedir para você falar mais baixo.
Sabe-se lá porquê, Andréa logo parou do meu lado. Bem menina ela, branca, com cabelos castanhos, com no máximo 22 anos, por alto. Fumava pelos cotovelos, a mocinha. E eu só ouvindo o - muito - que ela tinha a dizer, e andando pelas ruas íngremes de São João Del Rey, algumas poucas, bem menos do que Ouro Preto, onde há uma outra história.
Era o ano de 1998, um ano, como eu já disse no blog, de muitas coisas interessantes. E Andréa parecia ser mais uma dádiva dos céus para mim, porque de algum modo seus olhos pareciam me dizer que só a presença dela me bastava. E naquele ano, de alegria misturada com angústia, tudo que eu precisava era de alguma moça que me deixasse à vontade, não necessariamente para tirar a roupa ou beijar-lhe a boca (ainda que Andréa inspirasse isso), mas simplesmente para dizer que estava tudo realmente bem, que tudo um dia iria acabar bem.
E ela, aos 22 anos, me dizia isso com o sorriso enfumaçado, desafiando o entediante mundo das pessoas normais, como se me dissesse, "ei, cara, você vai conhecer alguém como eu, que não faz questão de que você tenha um carro do ano ou uma casa em Itaparica", sim, Andréa me dizia tudo com seu nada querer.
Ficamos bebendo com o grupo uma noite, até tarde. O hotel dela era mais afastado, e nenhum de nós conhecia legal a cidade, por isso eu mesmo me ofereci, ante olhares maliciosos, para levá-la no hotel.
Andréa aceitou com um sorriso, e nós dois já sabíamos que não iríamos nos beijar ou coisa assim. Simplesmente caminhamos no frio de São João Del Rey, margeando aquele rio principal, atravessando uma linda ponte antiga de pedra que tinha perto de seu hotel.
Em grande parte do caminho estávamos em silêncio - mas um silêncio daqueles de quem está ouvindo alguma canção bonita de Tom Waits, não o silêncio dos sem assunto. Caminhávamos, e volta e meia ela ria e segurava no meu braço.
Mas eu sabia, sim, eu sabia. It ain´t me babe, não sou eu, babe, quem você está procurando, apesar da recíproca infelizmente não ser verdadeira.
Me despedi de Andréa, que subiu sorrindo para o hotel. No dia seguinte ainda nos veríamos, mas muito mal, na correria das despedidas e das trocas de telefone. Não quisemos trocar os nossos.
Afinal, Deus tem uma lógica estranha para fazer encontrar suas almas mais sozinhas. E elas simplesmente não se encontram - não seriam eu e Andréa que iríamos contrariar essa lógica.
Outro dia, ouvi Elis e Tom cantarem "é um Belo Horizonte", no meio de Águas de Março. Sorri.