Mulheres que um dia amamos - 2
Ana
Ana tinha somente 18 anos quando a conheci. Ambos entrando na faculdade de jornalismo, ela demonstrando uma curiosidade sincera para todas as coisas, eu misturando a empolgação dos novos com o ceticismo dos cansados, apesar de estar eu com apenas 23 ou 24 anos, algo assim. Logo eu e Ana nos tornamos muito amigos, dividindo impressões gerais sobre o mundo, indo ao cinema e tomando alguns porres leves de chope. Com três meses de amizade sutil, passamos para um namoro, que me marcou muito, talvez o mais marcante até 2000. Ou mais além, sei lá - a intensidade das coisas nunca é medida no momento em que a sentimos, e sim depois de passado o baque. Tal e qual quando acordamos na manhã seguinte e percebemos, "caramba, eu estava mesmo bêbado", depois que tomamos porres em dias de frio.
Por isso, até hoje eu não tinha percebido que o grande momento de minha vida com Ana tinha sido enquanto a gente não namorava. Voltávamos de alguma festa ou bar em São Francisco, Niterói. Não me lembro o que tinha sido. O grupo, grande, se dividiu em várias duplas ou trios. Eu fiquei de dupla com Ana. E a abracei - mas como amigo - e a gente foi andando. De repente, ela começou a cantar "Sister", uma música do filme "A cor púrpura". Subitamente eu segurei de leve na alça de sua calcinha, pois ela vestia um vestido muito fino. Mesmo sendo só amigos, ela não se importou, talvez não tenha percebido.
Naquela noite, sonhei com nosso namoro, que acabaria acontecendo.
Magrinha, muito bonita de rosto apesar do nariz ter um risquinho esquisito no meio, Ana era o que se podia chamar de mulher para casar. Cabelos enrolados de várias cores, sorriso cativante, ela sempre me inspirou o desejo de vê-la aos trinta anos. Mesmo quando eu a namorava, pensava nisso, pois eu sabia que jamais o namoro chegaria até essa época.
E acertei - hoje, aos 28, 29 anos, Ana está muito bem casada com um alemão, e mora lá na terra do chucrute. Nos vimos esse ano, enquanto o Flamengo ganhava do Vasco na disputa da Taça Guanabara por 1 a 0, eu e ela bebíamos no Lamas. Eu não parava de falar, estranhamente. Ela observava. Eu, para ela, uma criança em definitivo. Ela, para mim, sempre importante.
Nos despedimos, eu a coloquei em um táxi. Ela ainda perguntou se eu não queria a carona, e eu disse que não, que ia me virar por aí. Tinha que ter um último lampejo de John Wayne para tentar sobreviver àquela avalanche emocional que é qualquer encontro com ela.
Foi quando eu lembrei que a última vez em que ela me fez perder uma decisão do Flamengo foi em 1991. Dez anos antes, dez anos tinham se passado. Até mais, pois nos conhecemos em 1990. E fiquei pasmo, pois não sabia que se podia passar um terço de uma vida carregando uma mulher na alma. Mas que seja. Ana é leve - é a primeira coisa que qualquer um pensa ao olhar para ela. Leve como todo o universo explodindo.
Fui para casa de táxi, sozinho, achando o Aterro do Flamengo mais bonito que a Alemanha.
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