21 outubro, 2001

Esse texto abaixo foi publicado no site Falaê:
Já está virando rotina: em março, festa do Oscar, e aquela figa na frente da televisão para ver se desta vez o filme brasileiro leva o de melhor produção estrangeira. De fato, os filmes brasileiros assumiram uma espécie de “padrão internacional”, uma “estética da imagem” nova, que talvez tenha em “A Grande Arte”, de Walter Sales (aquele com Peter Coyote) seu maior símbolo. Se disseram que Carmen Miranda voltou americanizada, que dizer do realmente novo cinema, com suas luzes e contrastes em preto-e-branco bem caprichados, sua ambientação densa, e seus dramas quase europeus como o de “Terra Estrangeira”? Bom, talvez sim, mas o fato é que o cinema brasileiro tem marcas das quais será impossível se separar – uma delas é o palavrão. Mesmo em um filme pungente como “Central do Brasil”, uma obra-prima daquelas, é possível ver alguém meter a cara numa janela e gritar “filha da puuuuuuuuuuuuta”; não tem erro. O cinema brasileiro tem essa maravilhosa arte do palavrão, da cafagestada, do non-sense, algo que, se fosse possível comparar linguisticamente falando, mataria de inveja qualquer Mario Monicelli, diretor dos italianíssimos e maravilhosos “Brancaleone”, “Quinteto Irreverente” e “Parenti Serpenti”. O nosso cinema dá inveja nos italianos mais gesticuladores e desbocados, e com certeza nos franceses mais introspectivos, nos americanos mais violentos, nos ingleses mais corrosivos.
Quando é que a gente vai entender que cinema brasileiro antes de tudo é divertido? Para ajudar nessa tarefa, a equipe de articulistas do Falaê preparou uma lista com as cenas mais bizarras das telinhas tupiniquins. Leia, divirta-se e mande sua sugestão.

1 – Os Sete Gatinhos – Obra-prima, talvez o filme de Neville de Almeida que, ao lado de Bonitinha mas Ordinária e Rio Babilônia, seja a base para toda a verborragia do nosso cinema. Em “Sete Gatinhos”, Lima Duarte aparece em close, pausadamente, com a maravilhosa frase, dita bem lenta: "Eu quero saber....quem foi que andou desenhando CARALHINHOS VOADORES na parede do banheiro." Na mesma obra, destaque para Regina Casé, pelada em volta de uma piscina, correndo do Maurício do Vale (que faz papel de deputado) e gritando: "Estou CAGANDO para as tuas imunidades, NÃO VAI ME COMEEER, NÃO VAI ME COMEEER". Não podemos esquecer que, em uma determinada cena do filme, Lima Duarte chama todas as filhas para dar um esporro generalizado, e aquela que é representada pela Djenane Machado aparece de camisola docilmente passando um prestobarba no suvaco.
Em Sete Gatinhos, Antônio Fagundes fala, “Eu sempre quis ter uma mulher na zona”. E minutos depois, está transando com uma das filhas do Lima Duarte ao som de “Cavalgada”, do Roberto Carlos. Não é preciso dizer mais nada, né?

2- Bonitinha mas ordinária – Uma das grandes atuações de José Wilker, onde ele fala talvez o “Filho da Puta” com a boca mais cheia de que se tem notícia. A cena clássica do cinema brasileiro, aliás, duas falas na mesma cena. Primeiro José Wilker se recusa a entrar no jogo de Carlos Kroeber, que faz o papel do magnata rico que tenta corromper os pobres. Wilker, todo ético, cita um colega de repartição, o Peixoto, para demonstrar seu caráter: "Eu não sou que nem o Peixoto!". Carlos Kroeber devolve, na lata, rasgando todos os tratados de sociologia já feitos: "No Brasil todo mundo é Peixoto"A cena fecha da maneira que nós conhecemos: José Wilker apontando para Carlos Kroeber e dizendo, "Eu sou contínuo, mas você é um FILHO DA PUTA! FILHO DA PUTA!".
3- Rio Babilônia – Na minha opinião (G. de A.) e dos outros colaboradores desta matéria, um filme indispensável. Extremamente trash, Rio Babilônia parece ter sido feito para chocar os desprevenidos e divertir demais da conta os iniciados. Já seria indispensável comentar que em um bordel, Norma Bengell puxa um trenzinho com Cláudio Mamberti e Jardel Filho de cueca samba-canção, gritando “empurra! empurra! empurra a carrocinha! empurra minha gente que a pipoca tá quentinha!”. Mas a coisa não pára por aí, evidentemente. Para começar, que o galã do filme se chama Joel Barcellos e parece o Nélson Piquet depois de ter o rosto esvaziado por um birro de encher pneu de bicicleta. O jornalista e crítico musical Marcus Marçal fala do filme:
“Tem uma cena antológica de um menáge-a-trois entre a Denise Dumont, o Pedrinho Aguinaga (seu marido no filme) e o Joel Barcelos. Esse último é um malandro q vive de falcatruas e outras sagacidades. Eles se conhecem numa festa, ele se interessa pela dona q o chama para uma carona. No carro já começa a putaria: ela começa a escancarar pro Joel, q olha pro sorrisinho maroto no olhar do marido. Foi a senha. Chegam na mansao do casal e vão todos pelados transar na piscina. Tem também uma cena em que uma famosa atriz gringa vem curtir o carnaval brasileiro. Ela é viciada em cocaína e, por questoes de abstinência, quebra o quarto do hotel. Aí entra o nosso herói: pra descolar o pó pra ela. Ela cheira e fica novinha em folha. Vai pro carnaval e se engraça com um negão (o Antônio Pitanga) integrante de bateria de uma escola de samba. O promotor brasileiro, almofada babaca (redundância pertinente), quer comê-la e só toma toco. Aí ela resolve esculachar o cara e fugir com o negão, o nosso herói Barcellos e sua trupe. Param na praia de Copabacana e ela resolve tomar banho de praia pelada. Gostosa, dá pra pegar geral a gringa. Aí ela vai e carrega o Pitanga. Chega o empresário, esbaforido e ela grita: "VAI TOMAR NA CU, SUA VIADA! VAI TOMAR NA CU!" O Pitanga descarrega na gargalhada e ameaça dar porrada no empresário só com o olhar. Cena antológica.”
Eu ainda acrescentaria a cena em que Jardel Filho sai de um recinto, encontra com Wilson Grey e outro assecla, e comenta, lateralmente: “aaaaahhhhh...nada como uma mijadinha, né?”. Cena que, diga-se de passagem, não acrescenta nada a filme algum – mas isso é que é o diferencial do nosso cinema....

4- Espelho de carne – Daniel Filho e Dênis Carvalho entram no quarto do espelho mágico e sentem um comichão estranho: começam a se perguntar se já deram a bunda. Aí um deles tem a idéia de jogar buraco e quem perdesse teria q dar a bunda: o daniel filho começa perdendo e o outro fica só zoando... Aí ele vira o jogo e dá um sorrisinho maquiavélico pro Denis Carvalho: "Tá preparado pra ser enrabado?". Corta a cena para um quarto na penumbra, podem ser vistas umas sombras e depois se escuta um AAAAAAAAAAAAAAAAAhhh!!!! do Denis Carvalho.

5 – Dama do lotação - A cena em q o motorista de ônibus passa a perna no trocador pra comer a Sônia Braga - e ele fica correndo atrás do ônibus, até cansar de comer poeira: "Ô Chinelão, deixa eu entrar nesse ônibus seu filho das
unhas! Ô Chinelão, seu filho da puta - vc falou q não me sacanear. Sônia Braga também dá para o sogro dela, representado por Carlos Kroeber. Só que os dois ficam brincando de cavalinho.

6 – O Segredo da Múmia – divertidíssimo “thriller” de terrir do Ivan Cardoso. Mas o staff do Falaê selecionou mesmo a cena em que Wilson Grey está em um motel com uma mulher, e de repente uma das paredes vem abaixo, aparecendo a múmia. Era para ser uma cena de terror, até a hora em que Wilson Grey abre a boca: “UMA MÚMIA? MAS QUE PORRA DE MOTEL É ESSE?”



7. Bar Esperança – Sílvia Bandeira representa uma mulher que se cansa de ser corneada pelo marido (o Pereio) e resolve fazer um strip tease numa festa à fantasia no bar. Ele aparece na festa vestido de mulher e dá de cara com a cena. A mulher dele vira celebridade no bar e passa a freqüenta-lo também. No ultimo dia de funcionamento do bar, ela repete o espetáculo.
Uma discussao entre o Carvana e o Antonio Pedro nesse mesmo filme também é legal. O Carvana começa a falar de problemas conjugais, profissionais, etc e o Antonio Pedro, bêbado, sempre adapta o mesmo bordão. ".(Respondendo a frase
anterior), você não passa de um intelectual de merda! vc não passa de um intelectual de merda!, né ô ba-ba-ca!?" Depois de dez situações dessas uma atrás da outra, o Carvana chama o Antônio Pedro pra porrada. Aí ele fala "Você vai me dar porrada, mas continuar sendo um intelectual de merda, não passa de um intelectual de merda, ô ba-ba-ca". O Carvana se emputece e diz q vai matá-lo apesar de ele ser o melhor amigo dele. E grita, “Passarinho (apelido do Antonio Pedro no filme), vai tomar no cu, Passarinho! Vai tomar no cu, Passarinho!” Adivinhem o que o Antonio Pedro fala: "Você vai me matar, mas não passa de um intelectual de merda! Não passa de um intelectual de merda". Segundo Paulo Francis, Antônio Pedro é um dos maiores atores do Brasil.

8 - Romance da Empregada – Cena mais do que bizarra: Betty Faria imitando Tina Turner apanhando no barraco do marido bêbado, o Daniel Filho;

9 – Vera – O mago Carlos Kroeber, morto em 2000, em uma aparição inesquecível. Ele é o diretor de um reformatório para mulheres, em que todas são lésbicas e usam calças de homem. Em uma cena, elas estão perfiladas tomando esporro, como em um exército. Kroeber anda de um lado para o outro, falando, “De amanhã em diante, todo mundo vai ter que usar saia aqui”. A reação é de silêncio e perplexidade, até que uma das meninas dá um passo para a frente, dizendo, “Olha, seu fulano, não vai dar não”. Kroeber, sem perder a pose, “AH É? ENTÃO É O SEGUINTE: TODO MUNDO ABAIXA A CALÇA PARA EU VER OS CULHÕES AQUI”. E diante da imobilidade geral, ele sorri triunfante: “Ninguém vai mostrar não?”, e completa, em CLOSE TOTAL: “PRA SER MACHO TEM QUE TER CULHÃO!”.

10 – Fulaninha - do David Neves – O ícone, o ídolo Roberto Bonfim está de camiseta sem manga, colar no peito, meio melado de suor, em uma cozinha de quinta categoria. Olha desconfiado para a mulher dele, a Zaira Zambelli, que frita um bife para um amigo do casal que passou mal. Intrigada com o olhar do marido, Zaira diz, "que que é?". Segue-se uma breve pausa e Roberto Bomfim pergunta: "Que que é? Que que é? Que que é é o CARALHO!". Dito isto, acerta uma porrada na mulher. Todos aparecem para separar, Bomfim se desvencilha de todo mundo e começa o show: "AGORA EU É QUE SOU O ESCROTO AQUI, NÉ? EU QUE FAÇO FILME DE SACANAGEM, EU QUE DOU PORRADA EM MULHER? E VOCÊ, SEU BABACA QUE TÁ APAIXONADO POR GAROTINHA QUE NÃO TEM NEM PENTELHO? E VOCÊ, AÍ, SEU BROCHA, VAI FAZER TUA MULHER GOZAR, RAPÁ! E ESSE AÍ, BABACÃO, METIDO A INTELECTUAL? INTELECTUAL DE MEEEEEERRRRRRRRDA É O QUE TU É". Pano rápido ao fim da metralhadora giratória.

11 - EU – Nesse filme de Walter Hugo Khoury em que ele mais uma vez reinventa seu alter ego Marcelo, Monique Evans pelada (fase áurea, parecia uma índia lindíssima), histérica, começa xingando o Tarcísio Meira: "Vc é viado! me trouxe aqui pra puta que o pariu e não vai me comer. VIADO! VIADO!"


12 – Caso Cláudia - Um dos filmes brasileiros mais engraçados e sem ter essa intenção. Simplesmente porque termina abruptamente, dando a entender que talvez tenha acabado a verba. O imortal Roberto Bomfim é um detetive típico de polícia civil, e Carlos Eduardo Dolabela faz um repórter policial típico, daqueles que andam mal vestidos, fumam pelos cotovelos e se misturam às investigações. Os dois investigam juntos o Caso Cláudia, inspirado na vida real. Mas em determinado momento, Bomfim entra subitamente em um apartamento onde Dolabela já estava fuxicando. Dolabela dá um salto e grita, “VAI ASSUSTAR A PUTA QUE TE PARIU”.

13 – De que filme é essa cena mesmo? - Algumas cenas enviadas pela equipe do Falaê não têm o nome do filme porque ninguém lembra o nome mesmo. Mas alguém sabe em que filme Osmar Prado pega um bebê com bunda suja e leva até o carro do motorista de trás, que enchia seu saco com uma buzina no engarrafamento? Pois é, Prado está com o carro cheio, sogra, papagaio, filhos, paciência no limite, e um babaca buzinando. Até que ele não se aguenta, pega o bebê fedendo, vai na janela do carro de trás e grita, “Ô MERMÃO! TÁ VENDO ISSO AQUI? É MERRRRDA!”
Tem também um filme sobre futebol, que tem a Carla Camurati em um time feminino, e uma participação do Casagrande. Isso mesmo, o hoje comentarista da Rede Globo aparece em um filme que já circulou no canal a cabo Multishow. Ele está saindo ofegante de um treino, e uma fã encosta, “posso falar com você?”, e ele, apressado, “vai falando, vai falando”, e a fã: “Sabe o que é? É que eu sou virgem e eu queria que você me descabaçasse”. Corta para Casagrande NU, transando com a mina. Agora, numa boa, isso lá é linguajar de uma virgem?

Enfim, esse é o cinema brasileiro que nós gostamos demais de ver, mesmo que a crítica não goste. Cindy Lauper é que tá certa: a gente só quer haver fun.


Gustavo de Almeida, Marcus Marçal e Andréa Del Fuego



2 Comments:

At maio 17, 2008 7:43 PM, Anonymous Anônimo said...

cara, eu vi um que merecia estar na lista outro dia. se chama a noite das taras e tem varias partes. uma delas conta a historia de um violinista, atazanado pela mãe. o filme em si é todinho uma pérola, surrealismo perde. mas a cena mais clássica -- a historia do filme por si só já valeria um blog -- é a que o cara vai dar um rolê na rua e aí passa perto da zona, onde duas profissionais conversam no asfalto. aí uma fala pra outra: "o dia hj tá foda, nao consegui faturar nada". e qdo o violinista chega perto, ela sai em direcao dele e manda na lata: "E AÍ, GAROTÃO! VAMU FAZER NENÊ!!!!!" AHAHAHAHAH SURREALISMO

 
At maio 17, 2008 7:44 PM, Anonymous Anônimo said...

tenho saudade de vcs...

 

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